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Terra sem lei

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O Rio de Janeiro há muito foi entregue às feras... ou às baratas. Escolham o animal que o resultado é o mesmo. Um descalabro. 

O Rio virou um filme de faroeste, uma Tombstone sem Wyatt Earp. Só que aqui a bala não é de festim, é ponto 9, e o sangue não é ketchup. 

De repente, não mais que, o presidente da República em exercício resolve continuar no poder (quem diria?) e reeleger-se (?). 

Como? Muito simples: com o Exército no Rio, a cidade será definitivamente pacificada em dois tempos, Lula fora (operação quase concluída), Bolsonaro esvaziado pelo radicalismo de direita e anulado pela personalidade magnética e dotes oratórios (????) do presidente em exercício, este logo sairá do atual patamar de popularidade de 6%?... 8%?... e pronto, arrasará com todos os outros candidatos... Ufa!, habemus presidente em outubro, nos braços do povão, imunidades parlamentares o protegendo das intempéries jurídicas, os processos (difamatórios, sem consistência, boataria) adiados sine die ad infinitum!... O Rio e o país estão salvos!

A ficção temeriana foi posta em marcha.

Só que... deixemos as amargas ironias de lado, descabidas face à violência dos fatos. Um bárbaro assassinato, uma fria execução politica é cometida à luz do dia e surpreende o Rio, abala o Brasil e um nome estampado nos jornais corre o mundo inteiro à velocidade fulminante das mídias eletrônicas: Marielle.

Quem é Marielle Franco?

Uma jovem ativista, negra, favelada, nascida e criada no complexo da Maré,  vereadora de primeira viagem eleita pelo PSOL com 46.502 votos, recorde para uma mulher neste sufrágio. E ainda mãe, bissexual assumida, casada com outra mulher. Socióloga. Aguerrida. 

Um belo sorriso aberto à luz do dia, voz clara, de palavras diretas, sem hipocrisias, de quem fez da da política um sincero caminho de vida.

Quatro balas na cabeça, outras tantas no seu motorista, Anderson Gomes, nas costas. Carros em movimento, fogo concentrado, gente exercitada na covarde arte (?) de matar.

Profissionais.

O pouco que se sabe à hora em que escrevo, por fontes oficiais, é que a munição usada no crime vem de um lote que já serviu para a Chacina de Osasco, roubado da Polícia Federal.

Marielle foi escolhida a dedo, abatida como um animal perigoso, para servir de exemplo, por representar com vigor os valores de uma nova sociedade em construção. Que luta para existir com dignidade.  

Um crime hediondo, bárbaro, inaceitável. Crime brutal, que é o aviso de outros crimes, na agulha, que busca espalhar aos quatro ventos quem manda de verdade no país e mostrar a implacável punição a quem lhes fizer frente. A própria vida. 

Um desafio direto, desaforado, feito frontalmente, com desprezo, a num e a um país que se diz democrático.

O País está assustado, já estava. 

A violência assusta, o desemprego assusta, a fome dos filhos assusta, as balas perdidas e com endereço assustam, as ameaças assustam, a impunidade, a corrupção... Hoje o brasileiro é um ser assustado. 

Mas os assassinos e seus patrões de colarinho branco esquecem-se de uma coisa. 

Somos a maioria. 

A grande e imensa maioria. Uma grande e imensa maioria cansada de ser os sobreviventes deste caos que nos puxa para o abismos do passado e com a dura missão de ter de viver a mesquinhez do dia após dia, cada dia mais desesperançoso.

O que nos resta? 

A nossa indignação. 

E as ruas, as praças, a voz  

Nos resta nós.

Nós, que temos o dever cívico de defender os nossos ideais; nós, que temos o dever moral de não nos deixarmos intimidar; nós, que temos todos os deveres e direitos do mundo de convocar e caminhar junto de quem tem a mesma memória do futuro que queremos. 

Porque Marielle, mataram.