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Carta aberta ao senhor presidente da República 

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Excelência, escrevo movido por preocupação de natureza exclusivamente social. Não me animam motivos políticos ou ideológicos. Não pretendo abordar teses deste ou daquele partido ou agremiação sindical. Apoio-me somente na Constituição brasileira.

Vivemos tempos  difíceis. No Brasil e no mundo.  Mantemos o país afastado de guerras a enlutar nações, por invasores externos ou por lutas fratricidas. 

Temos nossas ásperas contradições, porém. O desequilíbrio social é abissal. O cidadão a cada dia defronta-se com familiar ameaçado de perder o emprego. As garantias de amparo social sustentável são corroídas por ajustamentos macroeconômicos, cuja inteligência escapa ao trabalhador e ao estudante, este particularmente traído  por não entrar no mercado de trabalho. 

Nossas cidades incharam por um câncer social de que ninguém se pode considerar realisticamente protegido. Crianças fora da escola são presa fácil dos piores descaminhos. Crianças nas escolas são atemorizadas por balas perdidas da lei e por balas malditas da anarquia. 

A cada dia o povo brasileiro só escuta o triturar gigantesco de uma megalomaníaca tesoura a podar sonhos e projetos, a tal ponto que nem se ousa mais fazer projetos, quanto mais a ter sonhos.  

Vossa Excelência está a ver o angu com que o presidente Trump encaroçou o comércio internacional. Não entendo porque os nossos controladores da macroeconomia não se manifestaram com um pouco mais de vigor. Foi um chove não molha. Uma hora a dizer que as tarifas não nos afetam tanto assim, outra a sugerir uma rebaixa tarifária unilateral. Louve-se a nota do Itamaraty.

E justo nesta hora, senhor presidente, estamos o Mercosul e a União Europeia em vias de, quem sabe, finalizar um acordo comercial. Quem  sabe, porque ninguém sabe o que se passa na cabeça do agricultor francês. Talvez, a exemplo do Trump, a França alegue que reduzir as tarifas e quotas alfandegárias agrícolas para o Mercosul seja contra a segurança nacional. Virou moda. 

Muito mais grave é o que circula pelos jornais. Noticia-se que a União Europeia pretende incluir nas negociações  uma expansão do prazo de validade das patentes farmacêuticas. Obviamente, não  sugerem um aumento do prazo  de 20 anos, conforme figura no Código de Propriedade Industrial. Não são tão primários. Argumentam com firulas pseudo jurídicas que resultariam, como bem disse um negociador brasileiro em “off”, no aumento de nossas despesas no SUS. 

E o SUS, senhor presidente, lamento lembrar, vem sofrendo cortes. Ainda não nas dimensões de outros. Aqui tem-se utilizado um alicate para unhas. Coincidência  ou não, pouco depois da decisão do Supremo Tribunal Federal de obrigar planos de saúde privados a ressarcirem o SUS,  pipocaram na imprensa algumas estranhas notícias. 

A primeira delas foi o cancelamento  inopinado de tratamento de câncer de mama de pacientes, sem recursos  próprios  ou  de seguradoras  para custeá-los. Hospitais da rede privada viram seus convênios com o SUS abruptamente  cancelados. A outra, foi a redução de medicamentos da rede popular, que se tornou mais onerosa para quem dela necessita. 

Insinuar nesta hora que o Brasil deve aumentar a proteção a patentes farmacêuticas é um desacato ao povo e um desrespeito a Vossa Excelência. Trata-se de insaciável voracidades da indústria farmacêutica internacional para aumentar abusivamente seus lucros. 

O jornal Washington Post publicou semana passada artigo assinado por dois respeitados economistas, Jared Bernstein e Dean Baker, que, ao criticarem as medidas toma-as contra a siderurgia mundial, lembraram que os Estados Unidos gastam anualmente  com medicamentos US$450 bilhões. Isso, porque as patentes impedem o mercado livre. Eliminado o oligopólio, o valor cairia para US$ 80 bilhões, com uma economia anual de US$370 bilhões ou cerca de 30 vezes mais do que os Estados Unidos ganharão com as sobretaxas  ao aço e ao alumínio. 

Não há nenhuma razão para o Mercosul fazer a mínima concessão aos europeus. Há inúmeras que nos deveriam fazer eles e os Estados Unidos, o Japão, a Suíça, dentre outros. Mas, aqui não tenho espaço para me alongar. 

Finalmente, senhor presidente, se  esses argumentos não forem suficientes, permita-me transcrever o artigo 196 da Constituição Federal: 

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais  e econômicas  que visem à redução  do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal  e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação“. 

Como constitucionalista que Vossa Excelência é, sei que o ditame da Carta, bem como seu mandato positivo e negativo, não lhe escapará. 

Respeitosamente, Adhemar Bahadian*.

*Embaixador