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Ecologia: Com licença 

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Nenhuma outra reportagem nos marcou mais nestes 10 anos de cobertura jornalística de Plurale – revista e site com foco em sustentabilidade – do que a tragédia anunciada provocada pela Samarco, que atingiu o Rio Doce em um rastro de cerca de 800 quilômetros, de Minas Gerais até a sua foz, no Espírito Santo, em outubro de 2015. 

Imaginávamos que aquele acidente ambiental e suas terríveis consequências, resultando na morte de 19 pessoas – o maior da história do Brasil – seria alerta suficiente para estancar a sangria do engodo do desenvolvimento a qualquer custo. Quase três anos depois, nos deparamos com outras tantas notícias tão alarmantes quanto as que noticiamos. Como grandes empresas mineradoras não puderam prever – ou prevenir – novos desastres ambientais como os que acabam de ser registrados em Barcarena, no Pará, pela Hydro Alunorte ou na região da Zona da Mata Mineira, em Santo Antônio do Grama, no mineroduto da Anglo American? 

Bom destacar que por trás destes acidentes estão grandes corporações, com sólidos parceiros globais. No caso da Samarco, a empresa é dividida entre a gigante Vale e a anglo-australiana BHP. A Anglo American é outra peso-pesado a nível global, disputando com as anteriores – minério-a-minério – a posição de liderança. E a Hydro tem, entre seus controladores, os tradicionais noruegueses. Será que não há procedimentos e padrões suficientemente rigorosos para serem seguidos? Acionistas destas companhias estão acompanhando de perto o que está acontecendo no Brasil. Não apenas por interesse de causa, mas por uma razão clara e transparente: o capital do Século 21 não admite mais padrões do Século 19, como se ainda pudesse haver cidadãos do Primeiro Mundo ou de Terceiro Mundo. Como sempre alerta o Professor Sérgio Abranches, “não há meia sustentabilidade”. 

Se o morador de Barcarena, da Zona da Mata mineira ou do Rio Doce não tem água para beber ou rio para pescar, é o bolso dos noruegueses, britânicos ou australianos que sentirá. Investidores e grandes financiadores globais estão atentos a padrões de governança severa e não aceitam apoiar ou investir projetos que possam vir a contaminar suas reputações. A mineração é – e assim tem se firmado – uma das mais relevantes atividades econômicas. Não se trata de colocar em xeque um segmento que tem presença desde o telefone celular ao automóvel. E a mineração é apenas uma face desta moeda que serve de exemplo para tantas outras atividades econômicas. Mas, em que bases? Com que licença para poluir? No momento que o Congresso Nacional discute o licenciamento ambiental – diante de pressões fortíssimas de grupos como os ruralistas – a hora é esta de jogarmos limpo e discutirmos de forma séria e equilibrada que desenvolvimento sustentável desejamos para o Brasil. 

Se o Rio Doce, a região de Barcarena e os córrregos da Zona da Mata mineira não puderem “gritar”, nós, eleitores e consumidores brasileiros, registramos a nossa preocupação. Não podemos deixar nos guiar tão somente pela visão antropocêntrica. E não serão chuvas mais intensas, ventos, a falta de sirenes ou o quer que sejam que irão desviar a atenção. Só para citar notícias confi rmadas, foram filmados e fotografados dois dutos ilegais da mineradora Hydro em Barcarena (a empresa admitiu as tubulações), contaminando e atingindo a região. Em Minas, as razões do rompimento do mineroduto da Anglo American – que teria vazado cerca de 450 m³ de minério-de-ferro - ainda não foram confirmadas, mas as imagens são claras mostrando a contaminação ambiental em manancial. E ainda hoje, o Rio Doce, seus afluentes e a sua foz “sangram” com o pó avermelhado do minério-de-ferro, com impactos para moradores e a biodiversidade da extensa região. Por mais que medidas tenham sido tomadas - e controles existam - os exemplos mostram a necessidade de se repensar a forma da produção. O tão conhecido business as usual já não funciona da mesma forma. 

Por alguns anos, aceitava-se que o fato de ter licenciamento e cumprir as diversas condicionantes bastavam por si só. E que as populações “em torno” dos empreendimentos deveriam se “adequar” às “vantagens” que aquele investimento traria, como empregos e geração de renda. O que já ficou claro é que nem ao céu, nem à terra. Há progresso trazido por investimentos. Mas há também a cobrança legítima e legal de seus impactos. Procuradores do Ministério Público, lideranças sociais, ecologistas e a sociedade civil estão firmes na defesa dos interesses, não de um ou alguns indivíduos, mas do coletivo. Incluindo a biodiversidade sem voz. 

No começo de março, um grupo de 46 organizações representativas do movimento socioambiental, incluindo membros do Ministério Público, divulgou nota pública contra projeto de lei que muda regras de licenciamento ambiental. O grupo, do qual participam o WWF-Brasil, o Greenpeace, o Instituto Socioambiental e SOS Mata Atlântica, entre outras 43 entidades, exige que “órgãos técnicos, comunidade científica, comissões ambientais, populações atingidas e a sociedade em geral sejam ouvidos”. O projeto deverá seguir para votação em breve. 

Melhor ouvir e dialogar agora. Antes que seja tarde. 

Como jornalista e cidadã carioca, nascida e criada no Rio de Janeiro, me incomodava todos os dias a falta de “revolta” e “indignação” dos irmãos cariocas diante da tragédia-sem-fim que vivemos nos últimos tempos por conta da violência. Uma lástima que tenha sido preciso serem executados a Vereadora Mariella Franco, e o motorista Anderson Pedro Gomes para que – finalmente – o carioca tenha se indignado e ido às ruas pedir Justiça e paz. #mariellepresente #justiçaparamarielle. 

Dos meus trinta e dois anos de Jornalismo, passei pelo JORNAL DO BRASIL um total de 12 anos em diferentes períodos. Volto agora como colunista, colaborando sempre aos domingos, mantendo o leme na direção de nossa Plurale. Aos amigos da atual gestão, o meu carinho e desejo de sucesso. Aos leitores, trago a saudade de quem nunca se desligou deste elo. Porque o JB é como a nossa Plurale – aberto, plural e democrático. E tem sabor sempre de “quero-mais”. O meu, o seu, o nosso JB. Até o próximo domingo!