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Mídia resiste à Era Digital

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Todas as manhãs acordo minhas filhas com a música que as inspira e motiva e que elas mesmas escolhem no Spotify. Quando chegam da escola, elas procuram seus programas e séries favoritos seja na Netflix ou no YouTube. A mais velha de 7 anos tem como lição escolar levar semanalmente 1 notícia para discussão em sala de aula, e juntos buscamos por artigos on-line e os imprimimos. A mídia tradicional está também disponível no nosso lar, como CDs, TV a cabo com centenas de canais por assinatura, jornais e revistas, mas as minhas filhas não se interessam e não estão sozinhas. Diante do atual ambiente desafiador da mídia, o que levaria alguém a lançar um jornal? Como verão, o futuro da democracia pode depender disso. 

De acordo com a Statista Digital Marketing Outlook, o Brasil é o país que passa o maior número de horas no celular, totalizando 4,5h por dia. Os brasileiros demonstram ser nas mídias digitais tão sociais quanto na vida real. Em termos de usuários do Facebook, Instagram e WhatsApp eles dominam, estando entre os três maiores do mundo. Muitos especialistas consideram que o Brasil é a capital das redes sociais. Os brasileiros usam esses novos meios de comunicação para organizar a balada, formar movimentos de protesto, gerir negócios e é claro manter-se informados. Por exemplo, meu sogro cancelou suas assinaturas de jornais, e hoje consome a maior parte de suas notícias por meio do seu feed do Facebook. 

Paradoxalmente, os anunciantes brasileiros não gastam tanto na mídia digital como o uso da mesma sugeriria. Historicamente e culturalmente, as redes de televisão dominaram o panorama da mídia no Brasil. Como diz o velho ditado, as pesquisas eleitorais brasileiras não fazem sentido até que as campanhas políticas começam na televisão. De acordo com o World Advertising Research Center, a televisão atualmente controla 61% da despesa total da mídia no Brasil, enquanto isso é apenas 37% no nível global. Por enquanto, a televisão continua a ser uma fonte vital de notícias e muito mais para os brasileiros.  Mas, se eles vivem imersos no celular, estão mesmo sendo informados pela televisão? 

A participação do jornal na despesa de mídia global foi de 10% em 2016, contra 30% em 2005. No Brasil, sua participação é ainda menor, representando apenas 5%. Os poucos jornais que estão prosperando nos dias de hoje são aqueles que tem uma abordagem voltada para o “trabalho-a-ser-feito”. Aliás, só as empresas e professionais que se foquem num job-to-be-done prosperaram nesta era digital.  O trabalho-a-ser-feito (job-to-be-done) é um conceito usado por empresas com mentalidade (mindset) digital que afirma que os clientes não compram produtos ou serviços, mas sim contratam soluções para os “trabalhos” a serem feitos. Por exemplo, eu não compro um iPad para minhas filhas, eu “contrato” um iPad para desempenhar o trabalho de entretê-las. Se a iPad não desempenha o seu trabalho, eu certamente a demitirei, e contratarei outra coisa como um animal de estimação, um brinquedo novo, ou uma aula de ballet.  A iPad será disrupted.  O job-to-be-done de manter os cidadãos bem informados é mais importante do que nunca, especialmente na era das “notícias falsas” ou fake news. 

Dois jornais que estão acertando neste job-to-be-done são o New York Times e o Washington Post. Após a eleição de Donald Trump eles experimentaram um Trump Bump. Apresentaram recorde de ratings e crescimento de assinaturas.  Isso ocorreu porque os leitores confiam em seus relatórios. Espero que essa tendência se acelere, já que mais americanos perceberam que não podem confiar em tudo o que lêem nas redes sociais. A gestão do Jeff Bezos ajuda o Washington Post. O modelo inovador de negócio paywall ajuda o New York Times. No entanto, o que está permitindo que esses jornais prosperem na era digital é o fato de que eles estão cumprindo um dos mais importantes jobs-to-be-done em uma democracia, a de informar objetivamente a sociedade. Fico feliz em testemunhar o relançamento do JB com uma nova gestão como o Washington Post, e com um novo modelo de negócios como o New York Times. No entanto, o que estou mais entusiasmado é de ver o job-to-be-done do jornalismo confiável fortalecido no Brasil, especialmente em um ano eleitoral. O JB posicionou-se bem para reinventar toda a indústria de jornais no Brasil e talvez no mundo. Ao longo do caminho, pode se tornar um dos guardiões da democracia brasileira, mantendo sua sociedade bem informada.

*Vice-presidente para a América Latina do Mullen Lowe Group