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Mario Schenberg

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Durante o período dos jogos da Copa, quando me sobrava tempo para assisti-los na TV,  vinha-me a curiosidade de observar, além do que acontecia no gramado, o que se passava nas arquibancadas, os gestos faciais do torcedor nos momentos de alegria incontida ou de tremenda frustração, gestos dignos de uma excitante análise psicológica. Garanto que as 21 expressões faciais descobertas pelos cientistas podem ser vistas nesses jogos.  

Nesse mesmo cenário de tantas perplexidades e contrastes humanos, atraia-me sempre aquele outro time de homens fardados,  de costas para o campo verde,  com o olhar atento, o tempo todo, para a plateia, porque a tarefa de cada um consistia em ver  de onde poderia partir qualquer gesto de delito contra os atletas.  A eles não é permitida a passagem do tempo futebolístico.  Foi a presença em campo desses figurantes anônimos (a TV os ignora!), os  inspetores  da ordem,  que me levou a pensar na vida e na obra genial do pernambucano Mario Schenberg, o pensamento voltado para a passagem há poucos dias do seu centenário. (As analogias partem geralmente das circunstâncias existenciais do momento). Quero dizer que Mário Schenberg,  na sua prodigiosa existência de muitos saberes e de corajosas  atitudes políticas, nunca seria um homem voltado para um só horizonte, mas para os  horizontes dilatados  do real e para ele convergentes.  Era um homem que tinha a verticalização do olhar. Singular e plural como o outro seu conterrâneo e contemporâneo do Recife, Gilberto, o senhor de Apipucos, ambos com imensa capacidade de ver com o prodígio do olhar interior e para as antecipações do tempo,  Mario Shenberg, filho de imigrantes judeus,  foi um gênio precoce que, na maturidade científica, fez tudo o que idealizara. Foi engenheiro, matemático, um dos maiores físicos da história da ciência do Brasil – como assinala o seu amigo e biógrafo José Luiz Goldfarb,  “um físico com rara precisão do matemático”. 

O nosso Schenberg tornou-se também astrofísico, legando à ciência do século XX as teorias do famoso Efeito URCA, que despertaria a curiosidade de Albert Einstein, de quem o Mario se tornaria amigo. Fato talvez único, singularíssimo,  entre os que se dedicaram à ciência em qualquer época, o nosso homenageado foi também um grande crítico de arte, tornou-se curador da Bienal de São Paulo, escreveu sobre a arte de João Câmara,  Francisco Brennand, Wilton Souza, Montez Magno. Há um ensaio dele, de profundos conhecimentos e atualidade, Arte e Tecnologia (Ensaios Fundamentais de Artes Plásticas, de Sergio Cohn – Org),  que vale a pena ser lido para avaliar a dimensão do seu saber nesta especialidade. Como fotógrafo, surpreendeu ao serem descobertas peças de sua autoria, o seu olhar fotográfico. Viajante, pesquisador em vários centros científicos  do mundo, viandante. Sempre esperado por muitos com profunda simpatia aonde chegava, nos aeroportos, nas estações de trem, ao descer dos navios. Convivia, dialogava, trocava impressões e ideias  com a parte cimeira dos cientistas de sua época, vários deles laureados com o Prêmio Nobel. 

A sua biografia nunca será completa, por mais que se tente, mas um fato ficaria para sempre marcado na sua vida: as humilhações públicas de que foi vítima durante a Ditadura militar de 64, com suas prisões, com a perda da cidadania, com a sua cassação de deputado e a demissão do cargo de professor da USP, o exílio. É nele que habita o tempo cruel, infinito.

Antônio Campos. - Advogado e Escritor.  [email protected]