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Um cavaco, um pandeiro, um tamborim e uma nova sambista na praça

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Foi uma surpresa e tanto: comecei a cantarolar o samba e minha Bela Antonia – cheia de graça em seus 9 anos – entrou junto. “Tá legal, eu aceito o argumento|mas não me altere o samba tanto assim|olha que a rapaziada está sentindo a falta de um cavaco, de um pandeiro e de um tamborim”.  Paulinho da Viola.  Ela também canta Gilberto Gil, Chico, Caetano; sabe quase todas as marchinhas de “Sassaricando” e identifica perfeitamente a voz de Maria Bethânia tão logo ela surge forte, grave, belíssima, no som do carro.

Gosto disso. De certa forma, é parte do meu legado a ela. Porque é comigo que ela sempre ouve essas músicas, esses compositores – e desde que nasceu. Nessa vida louca que todos levamos, dá um certo consolo pensar que tenho esse  tempo de avó, com aquela disponibilidade maior apesar do trabalho intenso e intermitente, um tempo que os pais de hoje não têm tempo de dispensar a seus rebentos. Não ter tempo de ter tempo. Pleonasticamente é isso aí. Nós, os mais velhos, até porque já passamos pelo mesmo problema, arranjamos sempre um jeito de dar um tempo, de ter um tempo.

Minha avó, que, como sempre digo e repito, me deu régua e compasso, era incapaz de cantar. Dizia que era desafinada, mas acho que não cantar tinha a ver com seu temperamento arisco, prático, sem frufus nem babados. Papo reto. Mas gostava de música. Não era de botar disco na vitrola, mas, já na era da TV, não perdia um programa do saudoso Flávio Cavalcanti e assistiu a todos os festivais da canção. Foi uma apaixonada da Carolina do Chico Buarque. Se algum dia tivesse cantado, esta seria a música escolhida.

Fiquei muito orgulhosa do bom gosto musical de minha pequena e liguei correndo para quem saberia dar valor à mais nova intérprete: meu amigo Vagner Fernandes, jornalista, escritor e criador do bloco Timoneiros da Viola, fundado no ano passado em Madureira, e que tem como muso o Paulinho da Viola. Vagner, não apenas curtiu a informação, como ficou de repassá-la ao compositor e ainda me convidou para desfilar, dia 3, com o bloco. Não perco por nada deste mundo. Se os pais deixarem, arrasto Bela Antonia.  Madureira vai tremer.

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E então, enquanto se enchia de orgulho o peito dessa vovó-foliã, entra no meu Facebook o post de uma amiga da vida, Claudia de Souza Campos. Com um vídeo caprichado, me apresentava o samba que compôs. Genial!

Sobrinha do casal 20 dos anos 1950, Teresa e Didu,  filha dos elegantésimos Maria Candida e Jorge, todos Souza Campos,  Claudia é uma bela mulher que conheci quando entrei na PUC para cursar Jornalismo. Diariamente, ela saía da casa na Rua Marechal Mascarenhas de Moraes, em Copa, dirigindo um Aero-Willys marrom, e passava para me apanhar alguns quarteirões depois, na Rua Dias da Rocha, para encararmos as aulas de cada dia.  Foi sempre uma pessoa simpaticíssima, simplíssima, meio desligada e sempre à bout de souffle por conta da asma – um problema que também nos aproximou.  A essa altura, já namorava o Sérgio Alberto Monteiro de Carvalho, com quem se casou pouco depois,  sem concluir a faculdade, e com quem teve quatro filhos.

Nunca perdemos contato, ainda que não nos vejamos com a frequência dos velhos tempos. Como os verdadeiros amigos de vida,  podemos nos permitir este luxo . Já faz tempo que ela divorciou-se do Sergio Alberto e casou-se,  com outro grande e querido amigo, o Ziza Junqueira.

Todos esses dados não teriam a menor relevância não fosse o  inusitado fato de minha amiga ter virado uma sambista. E das boas. Convenhamos que a biografia não casa, não conjumina, digamos assim.  Foi uma bela surpresa.  Num desfile em que a minha Mangueira vai para a avenida cantar Cuiabá ( é dose, é dose, é dose!!!!), o Salgueiro – cruzes!!! – vai exaltar a “Caras”,  vou ficar em casa felizinha da vida só no repique da Claudia e no corinho do ótimo samba “Durante o ano”. Garanto que estou no lucro.

A gravação é essa aí. Vamos cantar com ela? O samba é uma delícia!