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O bode e a pizza

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Perdoem-me se não participo do corro “indignista”.  Não me sinto afrontado pelo voto do ministro Celso de Melo. Penso que foi coerente com o que ele vinha defendendo em relação aos embargos infringentes e não vejo catástrofe na sua decisão. Penso, no meu modesto juízo jurídico-político,  que eles (os embargos) não deveriam existir e que seu efeito é protelatório em relação ao transito em julgado das sentenças. Fazem a justiça ainda mais morosa. Mas Celso de Melo vem entendendo que são a Lei e cabe a ele e seus pares decidir. Decidiram. Acabar com os embargos é justo mas depende de projeto de lei parado no Congresso.

 Na verdade a questão central aí não é a do embargo infringente em si mas outra:  se considerada a nova demora José Dirceu irá ou não para prisão fechada. Aí, novamente, perdoem-me mas não estou dentre os que acreditam que a democracia no Brasil só será salva se Dirceu ver o sol nascer quadrado no xilindró.

  Via de regra sou contrário ao encarcelamento por crimes sem a prática de violência e favoreço penas alternativas. Admito diversas exceções à essa regra geral. No caso considero o conjunto de delitos praticados por Dirceu,  no caso do mensalão,   crimes políticos no mais lato senso. Digo crimes políticos não com o intuito de negar que sejam crimes ou de algum modo enobrece-los, mas porque de fato  foram políticos. 

 Nesses anos houve muita corrupção, no sentido mesmo de roubalheira, em governos do PT. Não sei se Dirceu se envolveu ou não neles. É possível que tenha sido pelo menos omisso em diversas situações. Mas não é isso não que está sendo julgado no caso do mensalão. No mensalão julga-se uma situação, na modalidade da corrupção ativa,  que eu definiria como: compra de governabilidade.

Pagava-se a parlamentares para garantir a maioria do governo no Congresso. No primeiro governo Lula, a proposta do próprio Dirceu de uma aliança estável com o PMDB fora recusada. Isso permitiu a Lula um ministério de certa qualidade com gente como Marina Silva, Christovam Buarque, Miro Teixeira, etc... que contrastam fortemente com a mediocridade geral da equipe atual. O preço disso foi não “contemplar”  satisfatoriamente uma base parlamentar consolidada e estável e ter que buscar maiorias “ad hoc” lançando mão dessa prática espúria muito difundida em Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas em todo Brasil. Insisto, muito difundida, corriqueira.

   A pergunta simples que não quer calar é muito desagradável: o que é pior, entregar os ministérios para facções políticas desonestas –eventualmente demitidas e substituídas pelo mesmo partido--  mantendo um nível muito baixo de qualidade no primeiro escalão, como atualmente acontece, ou como no mensalão, alugar a maioria parlamentar ? Ou seria o caso de não ter  maioria no Congresso? Nessa pergunta cruel, malvada mas pertinente está a essência do drama da política brasileira. É o elefante na sala que todos fingem que não vêm sobretudo quando exercitam sua indignação cívica sobre os bodes expiatórios da vez. 

 Já escrevi algumas vezes que o “indignismo”  anti-corrupção no Brasil é como a dança das cadeiras na escola. A musica para, alguém fica com as nádegas em riste, é o Judas da vez, e a musica volta até nova parada. A musica é o sistema eleitoral brasileiro, a cultura que engendra e sua sinfonia da qual faz parte o coro regular dos indignados. É um sistema que transforma partidos em meras “legendas” agenciadoras de carreiras individuais e posições no governo, num nmero record de cargos comissionados (mais de 30 mil), com acesso a inmeros processos que podem reverter em enriquecimento, nas moedas correntes da vida política-parlamentar. Os dilemas que essa situação acarreta para quem quer  que esteja lá exercendo o governo são assustadores.

  Essa é a real. Não exime ninguém de cumprir a lei nem de ser punido por transgredi-la. Mas não vemos nos iludir que os destinos do Brasil dependem de manter preso ou em regime aberto esse ou aquele Judas da vez.  Como se diz na gíria carioca “o buraco é mais embaixo”. Não penso que a decisão de Celso Mello tenha garantido a impunidade. O julgamento do STF foi duro, vidas foram esgarçadas. Não vejo pizza. Me incluam fora de turbas de linchamento.

Alfredo Sirkis é escritor, jornalista e deputado federal pelo PV-RJ