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Niterói: O PAC que deu certo sem qualquer ostentação

Obras no Preventório focaram melhoria da infraestrutura da favela e salvaram vidas

Reprodução -
Antes e depois das famílias transferidas das áreas de risco
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À diferença do Programa de Aceleração do Crescimento em favelas (PAC-Favela) implementado no conjunto de favelas do Alemão e de Manguinhos e na comunidade da Rocinha, no PAC do Morro do Preventório — no bairro de Charitas, na cidade de Niterói — não há qualquer obra espetaculosa. O maior investimento ali foi na parte alta da comunidade, onde a situação de risco de algumas das 1.930 moradias era algo incontestável. Ao todo, foram investidos no lugar R$ 37.859.723,20 — 1,15% do orçamento do programa no Estado do Rio, que totalizou R$ 3,3 bilhões, em 110 projetos, 70 deles na Região Metropolitana.

Desses R$ 37,8 milhões, 74% foram aplicados na contenção de encostas e no remanejamento das casas da parte alta para três núcleos habitacionais na parte mais próxima à rua e à cidade dita formal: 30% em obras para diminuição de risco de desabamento e 44% na construção de 248 novas unidades habitacionais. O teste para verificar a eficácia das intervenções seriam as chuvas de abril de 2010, aquelas que arrasaram o Morro do Bumba, também em Niterói, levando 48 pessoas à morte. “Aqui no Preventório, nós tínhamos um histórico de mortes com chuvas fortes no alto do morro. Em 2010, as obras do PAC estavam quase prontas, o que foi suficiente para o morro suportar a chuva. Não tivemos nenhum óbito naquela ocasião”, lembra o morador Pedro Batista.

Macaque in the trees
Acima, o rastro das obras de contenção e de estabilização no alto do Preventório; abaixo, detalhes da reforma vistos de perto, com a escadaria que atravessa o morro

Arquiteto e urbanista que fez doutorado sobre o PAC-Favelas, Nuno André Patrício, também pesquisador do Observatório das Metrópoles, diz que o PAC do Preventório é um exemplo de que nem todo o PAC em favelas foi pautado pela ostentação, como os citados Alemão, Manguinhos e Rocinha, marcados, respectivamente, por teleférico, pela elevação de uma linha férrea e por uma passarela assinada por Oscar Niemeyer. “No Preventório, por exemplo, o PAC não atraiu qualquer cobertura da mídia. Ninguém quer filmar ou fotografar contenção de encosta”, ironiza o arquiteto.

Macaque in the trees
Antes e o depois das obras de drenagem, com as escadas drenantes com tripla função: contenção, drenagem e melhoria da mobilidade dos moradores

O restante dos 26% dos investimentos do PAC no Preventório também não atraiu qualquer holofote. O percentual foi assim distribuído: 3% para trabalho social e 23% para projetos, terraplenagem, iluminação pública, melhoria do sistema viário, drenagem pluvial. A obra no Preventório foi executada pela Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro com um consórcio de médio porte. Não há como comparar, em termos de escala, as intervenções de grandes conjuntos de aglomerados de favelas com a do Preventório, onde vivem cerca de sete mil pessoas. O ponto é que a comunidade de Niterói, em termos de obras públicas, é um bom exemplo que une modéstia e eficácia.

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Antes e depois das famílias transferidas das áreas de risco

As obras de contenção adotaram soluções variadas: “construção de canaletas e escadas drenantes chumbadas na rocha (para reduzir o impacto das enxurradas nas áreas ocupadas), estruturas de impacto, obras de fixação de blocos de rocha de grandes volumes, desmonte de blocos, cortinas atirantadas, muros de arrimo e muretas chumbadas na rocha, alem de proteção de taludes em concreto projetado”, para usar uma descrição da própria CEHAB.

Um dos aspectos mais interessantes ali foi o uso de uma escada drenante com tripla função: contenção, drenagem e melhoria da mobilidade dos moradores. A solução foi criada pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o ‘Lelé’, um mito da arquitetura e urbanismo. Lelé é da estatura de Lúcio Costa, de Oscar Niemeyer e de Affonso Eduardo Reidy. Mas Lelé, também um craque da arquitetura hospitalar, nunca teve a fama de seus colegas. Num certo sentido, é bem curioso que tenha influenciado o PAC do Preventório. Um PAC que deu certo sem aparecer.

Reprodução - Visão geral do Preventório, com o conjunto habitacional erguido ao pé do morro. Foto Marcos Tristão/JB
Reprodução - Antes e o depois das obras de drenagem, com as escadas drenantes com tripla função: contenção, drenagem e melhoria da mobilidade dos moradores
Reprodução - Acima, o rastro das obras de contenção e de estabilização no alto do Preventório; abaixo, detalhes da reforma vistos de perto, com a escadaria que atravessa o morro