Críticas: Orquestra de Montreal, OSB e a poesia de Steuerman  

Por Maria Luiza Nobre

Crítica: Orquestra Sinfônica de Montreal 

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro estava lotado para a estréia da Série Dell’Arte de Concertos Internacionais que, na noite do último dia 25, apresentava a Orchestra Sinfônica de Montreal regida pelo maestro Kent Nagano. A Abertura Tannhäuser  de R.Wagner é majestosa e o conjunto interpretou muito bem, com as cordas e os metais expressivamente representados. A segunda obra do programa foi o Concerto para Piano n°2 em Mi bemol Maior de  F.Liszt, tendo como solista o pianista ucraniano Serhiy Salov. O solista tem uma técnica muito bem estruturada, com uma qualidade sonora de primeira, isto é, com frases bem realizadas, graves redondos e um texto com uma leitura verdadeira. O maestro Nagano, apesar de americano, estava contido nas suas emoções. A segunda parte do programa era inteira para J.Brahms, com a execução da  sua Sinfonia nº4, em Mi Menor, op.98. Brahms é emoção pura, às vezes drama,paixão! Nagano realizou muito bem o texto. É de uma inegável competência técnica, deixa seus músicos livres, dentro de um discreto controle, mas seu rosto não se emociona, e Brahms é emoção e alta e sofisticada técnica, na qual qualquer desafinação é muito desagradável e, no caso, infelizmente os metais, exatamente os trompetes, deveriam ter mais cuidado com a afinação, fato que é definitivamente religioso para esta importante orquestra que trabalhou anos, com o célebre maestro Charles Dutoit. Foi um concerto, sem dúvida alguma, de sucesso, mas sinto falta dos pianíssimos celestiais que arrepiam os ouvintes mais sofisticados em termos de execuções de grande excelência como as de Lorin Maazel, Daniel Barenboim, para citar somente os vivos, execuções estas que somam à perfeita construção arquitetônica com a mais explosiva das emoções do universo do grande J.Brahms. A orquestra brindou a plateia com obras de Wagner, Bizet e Ravel, como bis. 

Crítica: OSB e a poesia de Steuerman  

O primeiro concerto da Série Turmalina da Orquestra Sinfônica Brasileira, na temporada de 2013, foi o grande sucesso do dia 27, realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O local estava lotado e o concerto começou com a Sinfonia n°1 em Ré Maior op.25, a Clássica, de S.Prokofiev, uma verdadeira joia, com uma concepção lindamente realizada pelo maestro Roberto Minczuk. O solista da tarde era muito esperado, o pianista Jean-Louis Steuerman é daqueles que se ouve com prazer e a certeza de uma base sólida e altamente requintada tanto na sua técnica quanto em sua concepção. A segunda obra do programa foi o Concertante para Piano e Orquestra de João Guilherme Ripper, com estreia mundial, muito bem traduzido pelo conjunto e solista. Alberto Nepomuceno teve sua Serenata para Cordas executada com uma leveza e uma sofisticação sonora de rara beleza. Mas Steuerman prometia ainda muita emoção para os ouvintes.

O Concerto para Piano e Orquestra nº3 em Dó Menor op.37,d e L. Beethoven, foi a última obra do programa, sendo traduzido com pura beleza técnica aliada ao trabalho sonoro da mais alta excelência realizado pelo grande pianista. O segundo movimento do concerto teve gradações sonoras belíssimas, com pianíssimos realmente sofisticados e arrepiantes, onde a emoção tomou conta do Theatro Municipal em toda a sua essência. Foi uma performance de poesia pura, tendo o maestro Minczuk como melhor dos parceiros do pianista, para o êxito da bela tarde. Claro que Steuerman  deixa saudade, e precisa tocar mais no Rio de Janeiro, onde seus admiradores são muitos. Um dos bis foi o terceiro movimento do Quarteto para piano e cordas de R.Schumann, executado com dois músicos da orquestra, sendo de extrema elegância por parte do pianista.

O BRAVO da coluna. 

PALMAS!  

Deixei para o final um fato comum que aconteceu nos dois concertos, e que me deixou com a pulguinha musical atrás da orelha. De um tempo para cá, os concertos passaram a ser de emoções fortes no mais positivo  dos sentidos  e  também algumas vezes angustiante. Não se pode bater palmas fora de hora, isto é  o que de pior pode acontecer. No concerto da Série Dell’Arte, fiquei chocada quando bateram palmas entre o primeiro e o segundo movimento da Sinfonia de Brahms! Apesar de acontecer com uma minoria, não deveria acontecer com ninguém, uma vez que o Rio de Janeiro está acostumado a receber o que de mais sofisticado existe no planeta em termos de música e intérpretes. E, além disto, é muito desagradável passar o recibo de algum tipo  falta de sensibilidade auditiva ou mesmo de leitura. Quando se começa a executar uma obra, o desenvolvimento do processo é um conjunto de fatores que leva ao sucesso, e a transição de um movimento para outro é altamente vivido, isto é, a finalização de um movimento já é levado ao começo da emoção do movimento seguinte. A finalização de um som, muitas vezes, é concebida para gerar o seguinte, dentro da mais profunda das concentrações! O silêncio neste caso faz parte da música. Quando o artista tem este transe musical, e é quebrado por palmas fora de hora, pode representar quase o desastre para o recomeço das novas emoções. É como um cristal que pode quase se quebrar!

No concerto da OSB, de sábado, a cada movimento da Sinfonia de Prokofiev, o maestro Minczuk tinha que virar pacientemente para a plateia e sorrir. Já no terceiro movimento do Concerto nº3 para Piano e Orquestra de Beethoven, o pianista Jean-Louis Steuerman teve que dividir seu solo com um terrível celular que tentou fazer um duo com o intérprete. Claro que o pianista, de inegável experiência, não se deixou abater, mas foi bem desagradável para quem assistiu. Um concerto é um ritual para quem toca e para quem ouve. A coluna sugere que, até sanar o problema, sejam lidos os programas na mesma hora em que se pede “para que não sejam usados celulares nem tiradas fotografias”.

É o toque de classe que, com tristeza, ainda falta em algumas plateias do Rio de Janeiro. Afinal, a cidade é maravilhosa!