A televisão popular
Não existe cultura pobre ou rica. Muito menos, atrasada ou superior. No entanto, é fácil acreditar numa diferença de culturas que tenham por medida um gosto, uma qualidade. O que se entende por qualidade é histórico e socialmente variado. Hoje, por exemplo, Fredric Jameson acredita que a pós-modernidade demoliu o muro que separa uma “alta” e uma “baixa” cultura. Nem por isso todas as manifestações alcunhadas de “popular” deixaram de ser tratadas por exotismos. Em todas as mídias culturas, nos restaurantes chiques, nas galerias, nos centros de cultura, nas instituições estatais e privadas, etc.
A televisão é um caso muito interessante por se tratar de um veículo de mídia popularesco. Não digo popular, porque o povo na televisão é um tipo. E não é preciso muito para entender isso, basta comparar um programa com “conteúdo” popular como oEsquenta com um Roda viva. Colocar uma churrasqueira no palco, fazer um sambinha é mais natural do que ver alguém discutindo um assunto estranho por vários minutos. Essa suposta representação (o termo “espetacularização” já foi esvaziado de sentido em demasia) da realidade que a televisão oferece não é um espelho da cultura popular, é antes uma cultura popular vista de fora, para não dizer elitizada. Nem uma imagem retorcida de um espelho ele consegue produzir, porque ela dissocia, cria uma outra imagem fixa, estável do que o povo seria. Quer dizer, o povo ouve funk, samba, forró, sertanejo – mas ele pode gostar apenas dessas coisas? Ele também mora apenas em favelas, discute e briga em público, é aguerrido, humilde e, acima de tudo, tem orgulho de ser pobre.
Aí está o problema. Quando quer ser popular, essa é uma imagem que a televisão, tanto em suas telenovelas quanto em seus outros programas, passa: a de que o pobre quer continuar a ser pobre. O velho ditado Sou pobre mas sou limpo abriu esse precedente ideológico. Ideológico porque ela, a televisão “popular”, acaba preservando uma situação que não é nada idílica, a pobreza em si.
Conservadora é a televisão que não deixa pensar porque acredita que o povo quer apenas entretenimento, e ainda diz que é o próprio povo que assim deseja, assim se vê. O povo faz churrasco e samba no domingo, sim, mas não se esquece que na ida para o trabalho tem que enfrentar ônibus lotado, que precisa de uma boa saúde pública, de trabalho digno, de serviços e direitos que sua cidadania exige e, quando ausentes, lutam por tais.
É claro que a televisão não é essencialmente má e ideológica, como Theodor Adorno e Max Horkheimer pensavam. Ela não encontra seus expectadores apenas como uma massa amorfa que absorve todo o seu conteúdo. Se a televisão de hoje “não faz pensar” é porque ela mesma se fez com essa imagem. Se para ela o povo não quer pensar criticamente, apenas se divertir, tudo bem, essa é a sua opinião. Mas nada venha nos dizer que nós também pensamos assim.
*Sergiano Silva é historiador.
