O gatilho do Imperador ou O jogo de sete erros
Como todo atleta da elite do futebol mundial, o atacante Adriano, ex-Flamego, Internacional de Milão, Roma e Corinthians, levantou-se da cama às seis da manhã e resolveu ir pessoalmente, em companhia de seu fiel escudeiro e segurança, o tenente da reserva da Polícia Militar, Júlio César Barros de Oliveira, 52 anos, até a padaria mais próxima comprar o desjejum familiar: pão integral, manteiga, mel, iogurte, queijo, presunto etc. Antes, porém, o Imperador decidiu que mais a contento seria parar no botequim de esquina para pedir uma média pingada de café com torradas. Saboreava com o amigo a primeira refeição, quando quatro jovens com saiotes abaixo dos joelhos a caminho de uma igreja Universal do Reino de Deus o reconheceram de imediato e pediram um autógrafo nas comportadas indumentárias de moças de família e religião.
Logo a seguir as tchutchucas de Jesus perguntaram ao ídolo rubro-negro se se incomodaria em lhes dar uma carona até a ermida, uma vez que até estavam muito atrasadíssimas para o culto de Natal... Após engolir o café com leite, o Imperador indicou o automóvel e seguiu em seu BMW, placa FAD-1002/ São Paulo, com a trupe evangélica a entoar cânticos de louvor. Encontravam-se já no refrão que, diga-se de passagem, o craque decorou com facilidade, quando uma bala perdida disparada por um incauto assaltante de transeuntes atingiu a mão esquerda de uma das fervorosas meninas cristãs, conhecida como Adriene Cyrilo Pinto, de 20 anos, que foi levada para o hospital Barra D’Or, para ser atendida pela equipe médica de plantão.
Em depoimento informal ao enfermeiro-chefe, ao que parece com o intento de incriminar o patrono da Vila Cruzeiro, a vítima disse que retornava de uma boate chamada Barra Music, diz que de propriedade do ex-jogador e comentarista Edmundo, o Animal, no momento em que o artilheiro flamenguista, sóbrio, ao brincar de mocinho e bandido com a arma do supracitado motorista policial, apertou sem querer o gatilho da pistola .40 de origem israelense ou alemã. Ao visitar a paciente arrependida, o jogador de futebol alegou que, apesar de ser cria de uma das favelas mais perigosas do Rio de Janeiro pré-pacificação, jamais vira uma arma de perto e que aquela conversa de fotografia com fuzil de brincadeira já estava mais do que arquivada pela Justiça, imprensa e público.
O inocente Adriano confessou espontaneamente ao delegado que o fato era que a Maria Chuteira ambicionava uma gorda indenização por atentado ao pudor, danos morais, injúria ou tentativa de homicídio etc. Ao saber de sua fama de garanhão e fortuna pelo noticiário sensacionalista, a mulher oportunista por natureza alterou por conta própria a versão combinada ainda no interior do veículo importado. A Polícia MIlitar informou também que havia vestígios de sangue e o veículo fora apreendido para ser submetido à perícia criminal.
Os peritos identificaram do lado do banco traseiro esquerdo uma marca de tiro na lataria do BMW e disseram ao repórter Jorge Lourenço, do Jornal do Brasil, que, aparentemente, o disparo foi feito de dentro para fora do automóvel. O tenente Oliveira, responsável pela integridade física e moral do atleta, revelou que em verdade a cachorra bíblica, embriagada, quisera brincar com fogo e amanheceu queimada após deixar a arma cair no chão do automóvel. Já o delegado titular da 16ª. DP (Barra da Tijuca), Fernando Reis, disse que apenas Adriene Pinto afirmara que o artilheiro estava no banco de trás, enquanto explicava ser indispensável uma acareação entre o fora de forma e a preparada mística, a fim de que se chegasse à conclusão de que afinal quem estaria em falta com a necessária verdade para se desvendar o mistério da véspera de Natal.
O encontro deverá ser marcado para quarta-feira, 28 de Dezembro, após a cirurgia de reconstituição do osso do dedo indicador, o mesmo que apontara o craque como o autor do disparo ou apertara o gatilho da pistola... A seguir cenas dos próximos capítulos; entretanto, neste ínterim, conforme nas brincadeiras de infância desafio o mais atento e perspicaz dos leitores a detectar os sete erros factuais registrados nesta crônica de jornal, sem arriscar palpites ou juízo de valor contrário ou a favorável às partes envolvidas no emblemático episódio em questão.
Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras, é professor da Universidade Estácio e autor dos livros ‘Com licença, senhoritas (A prostituição no romance brasileiro do século 19)’ e ‘O enigma Diadorim’.wanderlourenco
