Desafios do projeto genoma

Por Vanderson Carvalho Neri

        O projeto genoma humano, iniciado em 1990, tinha por objetivo identificar os genes que determinam nossas características hereditárias. Foi um esforço gigantesco, com a cooperação de inúmeros centros de pesquisa e cientistas do mundo todo, a um custo estimado de 3 bilhões de dólares. Vinte anos se passaram, muita coisa mudou, e como está hoje o projeto que lançou luz no fim do túnel para muitas doenças degenerativas?

        Anteriormente ao projeto, os cientistas já procuravam genes causadores de doenças. Uma enormidade de síndromes, acometendo os mais diversos sistemas do organismo, tem fundamento em papéis alterados de nossos próprios genes. O código genético é a identidade bioquímica que todos nós carregamos. Nele está impresso tudo o que somos e o que seremos — a vida em nosso planeta só existe porque antes de tudo há genes atuando sobre as espécies.

        Por isso, ao ser anunciado, o projeto genoma gerou euforia na comunidade científica e começou a representar esperança para portadores de doenças crônico-degenerativas ao redor do mundo. O que parecia distante e futurista há algumas décadas se tornou realidade no início do século 21, quando passamos a conhecer nossa própria identidade genética.

        O projeto também ampliou horizontes e mapeou genes de bactérias, fungos e vírus causadores de doenças importantes. No mês passado soubemos da conclusão do genoma para a vacina da tuberculose, feita pela Fiocruz. Outros estudos brasileiros dão conta do mapeamento do vírus da dengue, o que abre precedentes para uma futura vacina. Outros vírus, como o HIV e o HPV (causador do câncer de colo do útero), também já tiveram seu DNA rastreados, o que contribuiu para aperfeiçoar o tratamento nesses casos.

        O principal benefício do projeto genoma humano foi o grande avanço no diagnóstico de mais de 7 mil doenças consideradas raras, até então vistas como enigmas da medicina. Entretanto, foram considerados frustrantes os poucos avanços obtidos em relação a doenças genéticas comuns, causadas por vários genes alterados, como o diabetes, a obesidade, a hipertensão e os vários tipos de câncer.

        Embora muito tenha sido feito com ampliação de nosso conhecimento a respeito das doenças e do funcionamento dos genes, com progressos importantes nas últimas décadas, ainda será preciso muito mais tempo e investimentos. Sabemos que possuímos cerca de 25 mil genes, mas o seu modo de funcionar e os mecanismos que os regulam são mais complexos do que imaginávamos, porque existem variações entre os indivíduos. Outra dificuldade é que muitos projetos não têm prosperado por falta de investimentos, pela centralização das pesquisas em poucos centros, por esbarrarem em questões éticas ou, simplesmente, serem engavetados por incompatibilidade com a legislação vigente.

        Estamos longe de entender completamente o intrincado mecanismo de atuação dos genes. A terapia gênica, possível saída para essas enfermidades, ainda configura um futuro distante e que não estará disponível para todos. Mas o importante é que sabemos onde estamos e aonde queremos chegar, e estamos caminhando num rumo que será promissor, mas ainda é preciso tempo para a ciência amadurecer e progredir, maiores investimentos em pesquisas e na formação de novos cientistas e paciência para receber as evoluções vindouras. Na verdade, ainda estamos engatinhando no universo que é o genoma humano.

Vanderson Carvalho Neri, médico neurologista, trabalha no Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Gaffrée-Guinle