Amigo é para se guardar
Na última quarta-feira, dia 2, recebemos a visita de dois amigos de muitos anos, dos saudosos tempos dos fins de semana nanossa casa em Muri, distrito de Nova Friburgo. A um devo a minha vida — o ilustre médico, doutor Gustavo Ventura Couto. É ocirurgião muitas vezes citado neste espaço, inclusive na foto ao meu lado na cama, por ele operado de apendicite.
Não foi a única vez. Na operação do coração, em episódio rocambolesco, quando corria no calçadão atrás da saúde, asufocante dor no peito fez soar o alerta para o risco do infarto. Nada disse à família. Telefonei para o doutor Gustavo, e marcamos uma visita para o dia seguinte, em Nova Friburgo.
E mantive a boca fechada. Sábado pela manhã, ao arrumar a maleta na traseira da camionete, o segundo alerta foi maisviolento. Regina, minha mulher, não sabe dirigir. E lá fomos os dois em marcha normal para as duas horas da rotina dos fins desemana.
Uma viagem perfeita. Ao descer em Muri, avisei que tinha um almoço e entrevista com a prefeita, que só conheço de retratoem jornal. E fui ao encontro do doutor Gustavo Ventura Couto. Direto para a mesa de operação. Mas estava em falta o materialcirúrgico, e a operação foi adiada para segunda-feira. O jornal de Nova Friburgo, A Voz da Serra, do meu amigo Laércio Ventura, publicou na primeira página com o destaque do exagero a minha foto na cama de operado ao lado do doutor Gustavo VenturaCouto.
Agora, Gustavo trouxe o seu tio Tony Ventura, que controla e vende de barras de chocolate a bombons deliciosos, queestamos saboreando com o exagero da fartura do pacote, ou dos pacotes.
O doutor Gustavo Ventura Couto comigo, e com o tio Tony, fez a sua visita de médico ao meu filho Marcos de Sá Corrêa,ainda em coma, na Clínica São Vicente, na Gávea. Aprovou sem restrições, e com os maiores elogios, o tratamento do Marcos, quejá está movimentando os braços e as pernas. Do hospital passou em nosso apartamento para as despedidas e voltou para NovaFriburgo e suas ruínas. Como retribuir tal prova de amizade? Talvez a minha mineirice por adoção, de carioca nascido na Rua SãoFrancisco Xavier, 127, na Tijuca, ajude a agradecer o que não é uma obrigação nem um favor, mas o exercício da amizade, de quetenho recebido tantas provas.
Quando meu pai casou pela segunda vez, com a minha segunda mãe, a Tatá, ainda viva, com 100 anos, morando com a filhaem Belo Horizonte, o coronel Arthur Martins da Costa Cruz, dono da Fazenda do Retiro, em Dona Euzébia, distrito de Cataguases, recebeu-me como um neto. A ele devo tudo que sei de vida na roça, seus hábitos e costumes, montar a cavalo e fazer viagens deléguas, de dia ou de noite, com a toada de histórias que registrei em Casos da Fazenda do Retiro, o meu primeiro livro, com váriasedições.
Fui premiado com avôs excepcionais. Com o pai da minha mãe, Luiz de Castro Villas-Bôas, fanático por teatro, nas matinêsde sábado ou domingo, e com bom tempo, zeloso nos cuidados com a asma que o castigou por muitos anos. Fui a todos os teatrosdo Rio. Da Casa de Caboclo ao Teatro Municipal.
Assisti ao Procópio Ferreira no monólogo Deus lhe pague, com o prodígio da voz em todos os tons do drama de Juracy Camargo
E com o coronel Arthur Cruz, o aprendizado da roça.
Ao longo da vida de 87 anos fiz muitos amigos. Os vivos, muitos com anos de desencontro, a cada dia me surpreendem com otelefonema pelo interurbano e do exterior.
Já vivi muito. Mas ainda quero viver para ver meu filho Marcos recuperado, de volta às caminhadas no Jardim Botânico, àsconversas de quem tem o que contar. E que sabe como manter viva uma prosa, com o que viu pelos quatro cantos do mundo ou leunos milhares de livros que cobrem as paredes dos quatro andares da sua casa na Gávea.
Villas-Bôas Corrêa é repórter político do JB
