Praça em Olaria ganha espaço em homenagem a Pixinguinha

Por ROGÉRIO DAFLON rogerio.da?on@jb.com.br

O  mitológico Pixinguinha (1897-1973) levava a cidade a convergir à Zona da Leopoldina, no encalço da sonoridade do sax tenor, da flauta transversa, do piano e, claro, dos choros compostos e executados por Pizindim, como a vovó o chamava e diz o refrão do antológico samba-enredo da Portela de 1974. O itinerário de Pixinguinha, portanto, beirava a linha do trem e de estações como as de Olaria, Penha, Brás de Pina e Ramos, a partir das quais ocorreu uma intensa urbanização desses bairros. Ou seja, choro e Zona Norte têm muito, muito a ver. Não por acaso, uma lei da Câmara dos Vereadores acaba de transformar a Praça Ramos Figueira, em Olaria, no Reduto Cultural do Choro Alfredo Viana da Rocha Filho, nome completo do compositor e originalíssimo multi-instrumentista.  

Nascido em Piedade, morou com os pais no Catumbi, no Centro, e se libertou do aluguel, quando, em 1939, comprou uma casa na Rua Belarmino Barreiros, hoje Travessa Pixinguinha, a 200 metros da praça em... Olaria. Quer dizer, ele dizia que morava em Ramos, lançando uma nota dissonante na discussão fronteiriça e bairrista. Nessa casa onde pousava seu piano —  instrumento com o qual compunha seus clássicos —, recebeu, nos anos 1950, o então diplomata Vinicius de Moraes, como conta o pesquisador e cavaquinista Henrique Cazes. “Vinicius chegou e viu Pixinguinha com uma garrafa de cachaça. Bebeu tanto que o dono da casa saiu para trabalhar numa rádio no Centro e, ao voltar, viu a ilustre visita ainda dormindo no sofá”,  narra Cazes, acrescentando que o violonista Baden Powell, criador dos afrosambas com o poetinha, também era useiro e vezeiro da residência de Pixinguinha.    O renomado bandolinista Joel Nascimento era um jovem,quando tentou entrar na casa do mestre. “Cheguei até o portão, mas era tanta gente, tanta cerveja, que fiquei acanhado e fui embora”, disse Joel, que foi compensado. Aos 80 anos, Joel recorda que tocou com Pixinguinha na Casa dos Chorões, em Brás de Pina. “Foi uma influência para sempre”, lembra o bandolinista, que mora na Penha, onde, com o irmão Joir, fundou o bar Sovaco de Cobra, onde grandes chorões se reuniam.  

O trombonista Zé da Velha, que há 30 anos compõe dupla com o trompetista Silvério Pontes, conta que morava no conjunto habitacional do IAPC, em Olaria, quando soube que Pixinguinha se apresentava no Bar da Portuguesa, bem próximo à praça que se transformou no Reduto Pixinguinha: “Eu, que era de uma bandinha do IAPC, quando vi Pixinguinha com seu sax tenor cercado de instrumentistas incríveis, passei a ser um músico inspirado por aquele momento”.  Henrique Cazes cita outros nomes que se notabilizaram na região da Leopoldina: “Craques como o saxofonista Paulo Moura e o clarinetista Abel Ferreira moravam, respectivamente, em Ramos e Brás de Pina”. 

Cazes diz que, a partir da ditadura militar, jovens de esquerda e de classe média, entre os quais ele se inclui, começaram a se interessar pelo choro, como forma de se expressar num ambiente pouco afeito à liberdade de expressão. Rodas de choro na Zona Sul, como as da Praça São Salvador e da Praça General Glicério, são frutos desse deslocamento geográfico do choro. Neto de Pixinguinha, Marcelo Viana diz que o talento do avô o fez transitar pela cidade e pelo mundo. No Centro, frequentava um bar na Travessa do Ouvidor, onde há uma estátua dele em bronze que ilustra essa reportagem.  Já na Zona Sul, Pixinguinha teve um encontro antológico, recorda Viana, com Tom Jobim, que já visitara, a exemplo de Vinícius e Baden, a casa do gênio naquela confusa fronteira entre Ramos e Olaria. A reunião musical foi no Teatro Casa Grande, no Leblon, nos anos 1960. Pixinguinha frequentara pelo menos 30 anos antes a mansão de Arnando Guinle, na Rua São Clemente, em Botafogo, como lembra a biógrafa Marília Barbosa: “Ali ele tocava para os ricos. E dali, por intermédio de Guinle, foi tocar em Paris com o conjunto  Oito Batutas”. Morreu em Ipanema, quando batizava um afi lhado na Igreja Nossa Senhora da Paz. Albino Pinheiro, comandante da Banda de Ipanema, foi com músicos à igreja naquele 17 de fevereiro de 1973. Pixinguinha foi então para o Olimpo do choro sob a melodia de “Carinhoso”. 

Com o Reduto Pixinguinha,  Pizindim retorna com força à Zona da Leopoldina. A lei, dos vereadores Reimont (PT) e Marcelo Arar (PTB) da à Praça Ramos Figueira a possibilidade de soltar o choro. Entraves burocráticos com a prefeitura para a música ao vivo ali deixam de existir. Integrante do Movimento Cultural 100% Suburbano, que há sete anos organiza no local uma roda, a cada terceiro domingo do mês, Luiz Nunuka, comemora. “A Zona da Leopoldina vai saber, cada vez mais, por que o nome de Pixinguinha é tão forte na região.