Conjunto de Favelas do Lins aguarda UPP neste domingo em clima de insegurança

Por Cláudia Freitas

As operações policiais realizadas durante esta semana no Conjunto de favelas do Lins de Vasconcelos, subúrbio carioca, reforçam a informação de que a comunidade vai ganhar neste domingo (6/10) a sua Unidade de Polícia Pacificadora, passando à frente do Complexo da Maré, zona norte, que estava escalada pela Secretaria de Segurança Pública para receber a 35a. UPP no Rio de Janeiro. Sete comunidades serão beneficiadas na primeira fase de ocupação do complexo.

A UPP do Lins de Vasconcelos chega em um momento de turbulência na cúpula de segurança do Governo de Sérgio Cabral (PMDB), em consequência do caso do pedreiro Amarildo de Souza, que segundo inquérito da Polícia Civil foi morto por policiais da UPP da Rocinha, e por inúmeras denúncias de torturas e violências praticadas por policiais da polícia pacificadora em comunidades cariocas. O que deveria funcionar como principal elo de integração entre UPP e comunidade, os projeto sociais são alvo de crítica dessas populações e não conseguem resolver os problemas mais básicos de infraestrutura. Enquanto os moradores do Conjunto de Favelas do Lins criam expectativas de uma nova fase para a comunidade a partir da semana que vem, especialista em segurança pública alertam que o Estado continua caindo na mesma armadilha: entrar com a força de segurança e deixar de fora o choque de ordem social.

O principal modelo de pacificação no Rio, o Complexo do Alemão, está recorrendo à Justiça para revindicar a continuidade das obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), paralisadas há mais de um ano. O Teleférico construído na comunidade é outro motivo de revolta e apontado como o "bicho papão" responsável pelo desvio das verbas que seriam aplicadas em obras de saneamento básico e no transporte público alternativo na região, que continua precário. Segundo Alan Brum, uma das lideranças comunitárias do Alemão, o Teleférico não atende às necessidades de mobilidade dos moradores e serve apenas como transporte turístico para os visitantes. Levantando a mesma bandeira, a comunidade da Rocinha também rejeitou o projeto de construção de um teleférico previsto pelo governo estadual para a região e pede a finalização das obras do PAC 1.

>>Rocinha e Alemão pretendem processar Estado por causa de Teleférico

O planejamento de ocupação das favelas do Rio pelas forças de pacificação da Secretaria de Segurança é questionado por especialistas de segurança pública. O ex-capitão do Bope, Paulo Storani, observa que desde que começou o processo de pacificação das comunidades cariocas, há cinco anos, o governo do Rio não tem demostrado interesse no desdobramento social do projeto, comprometendo o seu sucesso. Para Storani, "a presença da polícia militar na comunidade não é suficiente para eliminar a violência, pois a bandidagem cria mecanismos de adaptação e age mesmo com o policiamento ostensivo. "Por isso é que tão importante os órgãos estaduais entrarem na comunidade pacificada oferecendo programas sociais, melhorando a qualidade de vida, colocando em prática a proposta de 'polícia de proximidade', para que os moradores possam confiar no trabalho dos policiais e não ter medo de sua atuação", explicou Storani, ressaltando que este deveria ser o grande diferencial das Unidade de Polícia Pacificadora.

Paulo Storani contou que inicialmente a Secretaria Estado de Segurança convidou diversas outras secretarias para integrar um núcleo de debate e elaboração do planejamento de ocupação das comunidades do Rio. A iniciativa foi elogiada pelo poder público e também pelos líderes comunitários, que vislumbraram uma chance de expor as principais deficiências das suas regiões. "Esse cronograma começou muito bem mas, pela falta de atenção e investimento do governo Cabral, fracassou. O que aconteceu foi que a UPP tomou um caráter temporal, eleitoreiro e a conta negativa com certeza vai para a Polícia Militar", disse Storani. O ex-capitão do Bope classifica o projeto das UPPs de forma positiva, mas foi precarizado pelo mal uso do Estado, perdendo a sua característica primordial de prevenção e socialização nas comunidades atendidas. 

Storani citou o caso Amarildo como um dos exemplos de "desmoronamento" do projeto. "O está acontecendo é que o policial militar tenta resolver por conta própria o que seria função do Estado. Como o programa não é implantando na sua totalidade na comunidade, ele acaba gerando um conflito entre PM e população, que vê no policial a força de militarização e não aquele profissional que está ali para melhorar a sua vida na região, oferecendo segurança e avanços sociais. Por outro lado, o policial começa a usar de coação e força para solucionar as questões mais graves. Acaba em situações como a presenciada na Rocinha, com o Amarildo", disse Storani. 

Na opinião de Paulo Storani, a antecipação da ocupação do Conjunto de Favelas do Lins pela Secretaria de Estado de Segurança, passando a frente do Complexo da Maré, se deu por dois motivos. Um deles é pelo episódio ocorrido no mês de setembro, no Morro da Covanca. O subtenente do Bope, Marco Antônio Gripp, foi morto em um confronto entre polícia e criminosos que estavam escondidos na mata. Na mesma operação, outros dois PMs foram baleados e um homem que seria o gerente do tráfico de drogas na região, Claudino dos Santos Coelho, 32 anos, conhecido como Xuxa ou Russão, foi morto. Em outro ponto do complexo, a Chacrinha, os confrontos entre PM e traficantes também tem sido constantes. A ocupação pelas forças de pacificação pode evitar um retorno das facções a esses pontos do conjunto. O segundo motivo citado por Storani é a complexidade do planejamento para ocupação da Maré, que tem 15 comunidades e possui uma das maiores e mais perigosas quadrilhas da cidade. A retomada do território da Maré faz parte de extensos estudos dos serviços de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, há pelo menos um ano. Esse pode representar o maior desafio para o governo desde a ocupação do Complexo do Alemão, em 2010.

O diretor do Observatório das Favelas, que funciona no Complexo da Maré, Jailson de Souza e Silva, acredita que a UPP do Lins deve ter a mesma logística das outras unidades instaladas no Estado. Jailson também defende a reestruturação do projeto pelo governo do Estado, para que as políticas de desenvolvimento possam ter prioridade nas ocupações. "O efetivo policial que ocupa a região deve reconhecer o morador como cidadão e praticar ações de aproximação com a comunidade, para que assim a superação da violência seja possível", ressaltou o diretor. Para Jailson a UPP Social é um braço importante do projeto e deve ser visto com a atenção necessária e fundamental para o sucesso da unidade pacificadora. Um canal de diálogo aberto entre PM e moradores é outro ponto destacado por Jailson. "A lógica autoritária só leva ao conflito. O policial não pode adotar um comportamento como se ele fosse o dono da área, querendo manter o controle de festas e de uma rotina da comunidade. Tem que haver o diálogo e a negociação para uma boa e saudável convivência entre força de pacificação e população", explicou ele.

Jailson acha que a UPP da Maré deve ser inaugurada até janeiro de 2014. Segundo ele, várias reuniões já foram realizadas por órgãos do governo do Rio com a comunidade para definir as prioridades sociais. "Aqui na Maré nós não vamos aceitar o que estamos assistindo em outras comunidades. Vamos exigir as obras de saneamento básico, que é nossa máxima prioridade. Não queremos as iniciativas de fachada e que nada contribui com os moradores", já avisou Jailson. 

O presidente da Associação de Moradores da Árvore Seca, uma das comunidades do Lins de Vasconcelos que vai receber a unidade pacificadora, Alexandre Silva, disse que o clima é de ansiedade na região. As pessoas esperam pelas melhorias prometidas pelo governo do Estado. "Nós ainda temos valas negras, não exite saneamento básico, a iluminação é muito precária, as encostas nos oferecem risco constante e as crianças não têm boas condições de ensino", enumerou Alexandre os serviços básicos que estão negligenciados no morro. 

Segundo Alexandre, as obras do PAC nem começaram no complexo do Lins, apesar dos três anos de intensos debates com as autoridades governamentais. "Pra que serviu os encontros com empresários, secretários e políticos para discutir o que a comunidade mais precisa?", questionou ele. A comunidade da Árvore Seca conta com apenas um posto de saúde para atender a demanda da região, que fica localizado na Avenida Ibituiba, no Engenho Novo e está sempre lotado de pessoas procurando por atendimento. "Para trazer a população a seu favor, eles [governo] precisam abrir um canal de diálogo e não agir como se fosse uma ditadura, impondo regras e melhorias que não são prioritárias para a gente", disse ele. 

Alexandre contou que os moradores não estão com medo da operação de ocupação programada para domingo e muitos comentam que vão permanecer em suas residências. "O que nos dá medo são os fatos que estamos assistindo pela imprensa de violências cometidas em outras áreas pacificadas. Na verdade, existe mais medo do que confiança nesse momento, mas isso pode mudar se atitudes forem revistas pela PM. O que nós queremos é paz e melhorias. Vamos apostar nisso", disse o líder comunitário.

A ocupação do Conjunto de Favelas do Lins

A operação deste domingo (6) deve contar com um aparato semelhante ao adotado em outras áreas pacificadas. Helicópteros, cães, motos, viaturas, blindados da Marinha e fuzileiros fazem parte do planejamento da Secretaria de Segurança. As comunidades que serão pacificadas são: Cachoeirinha, Cachoeira Grande, Amor, Gambá, Barro Vermelho, Barro Preto e Árvore Seca. A unidade contará com um efetivo de 288 policiais recém formados e foram capacitados para atuarem nas comunidades. 

Na quarta-feira passada (2) uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) preparou o terreno para a ocupação no Lins. A ação que começou na noite anterior, acabou com dois suspeitos mortos em confronto com os agentes da corporação. Os policiais apreenderam um forte armamento, drogas e um homem que seria contador do tráfico também foi preso. Desde a semana passada, agentes da PM estão efetuando prisões de traficantes que atuavam no complexo do Lins de Vasconcelos em outras regiões da cidade.