Moradores da Maré acham que muro foi construído para “esconder favela”, diz pesquisa

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A pesquisa “Os muros do invisível”, realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares da REDES de Desenvolvimento da Maré, em parceria com Observatório de Favelas e ActionAid, e divulgada hoje, dia 30/09, em seminário realizado na Maré com a presença de cerca de 250 pessoas, revelou que 73% dos moradores do bairro acreditam que o muro foi construído para esconder a favela e isolar ainda mais a comunidade do restante da cidade. 

Moradores acreditam que, com a proximidade da realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016, a construção do muro seria parte do processo de maquiagem da cidade para a recepção de turistas estrangeiros e comitivas governamentais e empresariais de vários países do mundo, revela o estudo.

Entre os moradores da Maré, 38% consideram a construção do muro negativa, enquanto 34% consideram positiva e 25% são indiferentes. No entanto, a percepção muda para quem vive perto e quem vive longe do muro: entre os que estão próximos, 57% consideram a construção do muro positiva. Dos que moram longe, esta percepção é de apenas 25%. Para os coordenadores da pesquisa, isso se dá pelo fato dos moradores próximos ficarem mais protegidos dos constantes gestos de vandalismo cometidos por usuários das vias expressas.

“É curioso como os motivos para a construção do muro variaram da segurança dos usuários à prevenção de acidentes, passando pelo isolamento acústico e, agora, é reconhecido como proteção contra vândalos que vivem fora da favela”, avalia Eblin Farage, coordenadora da pesquisa e professora da Universidade Federal Fluminense. “Nenhum destes motivos, porém, considerou as reais necessidades dos moradores da Maré”, conclui.

De acordo com a pesquisa, os moradores da comunidade reclamaram da falta de diálogo com o Poder Público. Esta percepção foi reforçada pela opinião das lideranças comunitárias ouvidas na pesquisa, que expressaram descontentamento com as prioridades do Poder Público na favela – lembrando que o projeto inicial previa a construção de áreas de lazer e outras intervenções urbanas na comunidade. Este grupo focal salientou ainda que, no processo de implantação do muro, a Prefeitura assumiu papel secundário, cabendo à Lamsa (concessionária da Linha Amarela) fazer as precárias negociações dentro da comunidade.

“É fundamental também discutir a aplicação dos recursos. O muro custou 20 milhões. Por que não ouvir dos moradores onde eles gostariam de ver esses recursos aplicados na Maré? Uma de nossas principais demandas é que haja transparência no uso dos recursos públicos e participação popular nas decisões que envolvem a Copa e as Olimpíadas”, questiona a coordenadora de projetos da ActionAid, Renata Neder.

Opinião de fora

Entre os usuários da via, outro grupo entrevistado na pesquisa, as opiniões foram divididas: 36% consideram a obra negativa, enquanto 34% consideram positiva e 30% são indiferentes. Nesse grupo foram ouvidos 422 pessoas, entre alunos, professores e funcionários do campus da UFRJ, taxistas e usuários do aeroporto internacional.

Quando perguntados sobre o impacto que acreditam que o muro teve para a comunidade, 66% dos usuários da via acham que os moradores da Maré consideram a instalação do muro negativa, 13% consideram que os moradores avaliam positivamente e 19% são indiferentes.

Para as coordenadoras da pesquisa, este resultado se dá pelo fato das favelas só ocuparem o noticiário a partir de situações de violência enquanto outras dimensões da vida da comunidade são descartadas, gerando certa indiferença do restante da cidade em relação ao cotidiano dos moradores da favela.

Essa imagem acaba por se refletir na forma como os próprios moradores da Maré projetam esta percepção. Segundo a pesquisa, 61% dos moradores entrevistados consideram que para os usuários das vias a instalação do muro foi positiva, enquanto 13% avaliam que os usuários consideram a instalação negativa e 24% são indiferentes.

Sobre a pesquisa

A pesquisa “Os muros do invisível” foi realizada de fevereiro a agosto desse ano com cerca de 750 pessoas. Foram ouvidos usuários das vias expressas, moradores das comunidades da Maré, vendedores ambulantes das vias e artistas que não aceitaram ceder sua arte para os muros que foram construídos ao longo das linhas Vermelha e Amarela. Além das entrevistas in loco, foram realizados grupos focais com moradores e uma enquete virtual junto a pessoas que trabalham na Maré.