A dor de só rever a filha morta
Felipe Sáles, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Entre todas as tragédias que compõem esta história, um dos elementos que mais instigam a revolta talvez seja o excesso de oportunidades desperdiçadas pelas autoridades para evitar a morte de Sophie Zanger, de quatro anos que teve os dois pulsos quebrados e afundamento do crânio depois de ter sido espancada, supostamente, por Lilian Vianna, 21, filha de Geovanna Viana, tia que detinha a guarda da criança conforme revelou sexta-feira o JB. Revolta que aflige principalmente o pai da menina, o empresário Sascha Zanger, que há dois anos enfrenta uma odisseia pela guarda dos filhos e investiu cerca de 100 mil euros com advogados e detetives. Somente dois anos depois do processo, Sascha conseguiu ser ouvido pela Justiça, definida como negligente. Em entrevista ao JB, Sascha nega acusações de abuso sexual, diz que os tios só queriam a pensão das crianças e revela que Sophie agonizou durante dois dias até ser socorrida. Agora, espera apenas poder enterrar a filha em sua terra natal, mas já poderá enfrentar outra decepção: enquanto a polícia aguarda laudos para pedir a prisão, os suspeitos sumiram desde a noite de sábado, quando saíram de casa levando bagagens e colchões.
Que Justiça é essa?
Foi muita negligência. Tínhamos todos os documentos, fotos do estado das crianças, todas as provas e mesmo assim nada foi feito. Para que o Brasil assinou a Convenção de Haia se não a cumpre? Hoje eu penso que deveria ter arrancado meus filhos daquela casa e levado para a Áustria. Porque não havia Justiça, fizemos de tudo para tirar as crianças daquele lugar horroroso. Imagina como é para um pai que tem tudo para dar vendo seus filhos num estado desses e não poder fazer absolutamente nada? E sabendo que eles maltratam as crianças? Isso foi uma coisa insuportável... Eu estava trabalhando com um juiz federal, mas o Conselho Tutelar enviou o caso ao Juizado Especial que definiu a guarda provisória sem consultar o outro processo, sem investigar nada. Eu nunca fui ouvido. Que Justiça é essa?
Detetives e advogados
A primeira vez que tive uma audiência com o juiz (José Carlos Zebulum, da 27ª Vara Federal) foi quinta-feira, quando minha filha morreu. Minha filha precisou morrer para eu ser ouvido pelo juiz. Isso para mim é uma catástrofe. Só assim o juiz deu a guarda para Anayá Caldas, mãe de criação de Maristela (ex-mulher de Sascha), com quem ela e os filhos viveram no ano passado. Se o juiz tivesse determinado isso 40 dias antes do crime, quando expediu um mandado de busca e apreensão, minha filha estaria viva. Mas meu advogado na época (Ricardo Zamarola, o mesmo do caso Sean Goldman), ficava em São Paulo e parecia incomunicável. Eu sequer fui informado do mandado, e então levaram as crianças para um abrigo. Os tios foram lá reaver a guarda para não perderem o dinheiro do estado e a pensão. O governo da Áustria também não me ajudou em nada, gastei 100 mil euros com advogados, detetives, para agora voltar com minha filha morta.
Pensão e Bolsa Família
Em janeiro e fevereiro, Geovanna recebeu mil euros. Mesmo assim, ela falava que não recebia dinheiro da gente e foi ao Conselho Tutelar pedir ajuda do estado porque as duas crianças foram abandonadas, e então ela passou a ganhar também Bolsa Família. Meus filhos viveram muito bem com Maristela e Anayá, mas no fim daquele ano a Geovanna levou Maristela e as crianças para sua casa. Em janeiro, Maristela voltou toda espancada para a casa de Anayá dizendo que a irmã roubou seus filhos e que agora seria ela (Geovanna) quem receberia dinheiro da Áustria. Geovanna sabia que Maristela recebia 1400 euros por mês. Para Geovanna, as crianças eram euros. Nada mais do que isso.
Dois dias de agonia
Não sei se as crianças eram obrigadas a trabalhar, mas Rafael vivia recebendo surras principalmente da Lilian (Vianna, 21 anos, filha de Geovanna). Ele e minha filha. Sempre quando não havia ninguém em casa, essa Lilian espancava meu filho. Rafael chegou em casa dia 10 de junho e viu Sophie toda ferida, cheia de sangue na banheira e com marcas muito fortes de pauladas. A única pessoa que estava em casa era Lilian. Mas somente em 12 de junho a levaram para o hospital, já em coma. Nesse dia, Rafael tentou dar banho na irmã, ela caiu, bateu com a cabeça e não acordou mais. Deixaram Sophie dois dias ferida, o estado de saúde piorando e ela desmaiando.
Última visita
Dias antes da Páscoa, consegui ver as crianças. Foi a última vez que vi minha filha. E só consegui graças a um amigo de família, o advogado Reginaldo Alves, coronel da PM que já trabalhou com Fernando Sizenando, guarda municipal casado com Geovanna. Houve muita discussão, ela me expulsou da casa, e após muita negociação pudemos ficar no quintal. Minha filha tinha uma pancada na testa e estava com a roupa toda suja, apesar de todo dinheiro que recebiam. Fomos ao shopping, gastei R$ 1.500 em roupas, celular para meu filho e comida para as 10 pessoas que foram conosco.
Escondendo o corpo
Quando Sophie morreu, Sizenando foi ao hospital dizendo-se pai da criança e querendo agilizar o enterro.Para mim, o objetivo é claro: esconder o corpo e enterrar a história. Este crime não acabou. Sempre tem uma coisa pior. Soube o que aconteceu quarta-feira, cheguei quinta-feira e fui ao hospital, com ursos e presentes, mas então recebi a notícia e a única coisa que eu podia fazer era pegar o corpo morto da minha filha que já estava frio.
Abuso sexual
Em julho, Maristela falou no Conselho Tutelar que eu bebia, batia nas crianças e abusava sexualmente do menino. O que é impossível, porque eu sequer tinha contato com as crianças, simplesmente porque eu estava na Áustria e elas, no Brasil. Meu filho nem sabia o que significava abuso sexual. A mãe inventou essa história com medo de perder a guarda.
Talvez a morte tenha sido a melhor coisa
Em junho do ano passado, recebi na Áustria a guarda exclusiva. Advogados e detetives encontraram vestígios, mas não Maristela e as crianças. Só fui ter contato novamente seis meses depois. Tentei fazer com que todos fossem amigavelmente para a Áustria, paguei passagem para Maristela e sua família. Um dia antes da viagem, Maristela rasgou as passagens. Agora quero resolver tudo aqui. Pedi licença e vou ficar até 16 de julho. A verdade tem que ser falada depois de tanto sofrimento de tantas pessoas. Minha filha sofreu tanto e talvez morrer tenha sido a melhor coisa, pois o sofrimento por que ela passou eu nem posso imaginar. Ela se urinava e o corpo tremia. Um bicho é melhor do que pessoas como aquelas que fizeram tudo isso, que só pensam em fazer lucro.
Vida na Áustria
Sou chefe de vendas de uma multinacional que vende café, que atua em 90 países e por isso sempre viajei muito. Em 1993, conheci Maristela em Copacabana, fomos para a Áustria e em 1995 nos casamos. Quando Rafael tinha três anos, ele caiu de uma altura de 12 metros e Maristela ficou se sentindo culpada. Com o passar do tempo, sua saúde mental foi piorando, ela se trancava no apartamento, queria o filho só para ela. Eles não podiam ver amigos nem minha família. No parto da minha filha, ela agrediu os médicos e eles recomendaram que fossem consultada por um psicólogo, mas ela se recusava com medo de ter alguma doença. Em 2006, nos separamos, amigavelmente, uma guarda compartilhada. Só poderia vê-los no fim de semana, mas o Conselho Tutelar da Áustria viu que ela estava doente. Com medo de perder a guarda, fugiu para o Brasil. Maristela tinha uma vida boa, morava num apartamento de 100 metros quadrados e recebia uma boa pensão. Espalhei fotos delas pela cidade para tentar localizá-la e tratá-la adequadamente.
