Uma nova ponte no caminho

Parque Guinle ganha réplica de ponte desaparecida, que será inaugurada no início de fevereiro

Por Celina Côrtes

Canteiro de bromélias à beira do lago, que passou a compor a paisagem do Parque Guinle

A ideia era entregar a ponte na festa do padroeiro da cidade, São João Batista, no dia 20, porém, sucessivos atrasos no cronograma levam a crer que a novela que já se arrasta há três anos chegará ao fim com o término das férias escolares, até 5 de fevereiro. Erguida no século 19 em estilo eclético e mármore de Carrara, a ponte do Parque Guinle, em Laranjeiras, na Zona Sul, simplesmente desapareceu. Quando descobriu a história, reconstruída a partir de lembranças de antigos moradores, a aposentada Nedina Levy, 63, que se tornou uma espécie de prefeitinha do Parque Guinle, encampou o projeto, já 90% concluído. “Inventei o pepino”, brinca ela, “feliz, porém, por ter conseguido realizar este sonho”, completa.

Com 7m de extensão, 2m de largura e 21 balaústres de cada lado, a ponte foi orçada, em 2015, por R$ 380 mil, isso se a réplica também fosse feita de mármore de Carrara, como a original, o que inviabilizaria o projeto. Em contato com a especialista da Fundação Parques e Jardins, Vera Dias, os obstinados gestores do projeto — além de Nedina, a aeromoça aposentada Cláudia Lustosa, 51, e o arquiteto José Guimarães, 35 — descobriram que uma mistura com 50% de pó de mármore, 25% de cimento branco e 25% de resina viabilizaria a reconstrução da ponte. A primeira mistura se deu por conta de uma peça da antiga ponte encontrada dentro do lago durante uma dragagem, realizada em 2008.

Daí para a frente foi organizada uma campanha para recolher os recursos entre moradores e frequentadores do parque, tombado em 2001 pelo município. Para resumir a história, a conta caiu para R$ 12 mil, no projeto do artista e restaurador argentino Pablo Cardoso, 41, o mesmo que recuperou o leão alado na entrada do parque e participou da restauração do Teatro Municipal. A reconstituição só foi possível graças a fotos antigas dos moradores, que serviram de base para a volumetria. A prefeitura chegou a fazer um projeto com gradil de aço, reprovado por unanimidade. Já a relação entre o restaurador e os gestores não foi das melhores. Embora não houvesse suspeitas de má fé de Cardoso, o projeto não andava para frente, enquanto os recursos minguavam. No fim das contas, o orçamento subiu para R$ 25 mil e não é certo se a execução continuará a cargo do artista, ou passará às mãos de um de seus assessores.

Na semana passada, Cardoso foi checar o andamento do projeto, que necessita apenas dos acabamentos finais, e explicou aos gestores que “agora é preciso deixar a pedra respirar para chegar ao tom ideal. Prefiro que ela chupe a água da chuva para ver como a estrutura vai reagir”. Cláudia Lustosa, contudo, garante que a inauguração será no fim das férias escolares, até terça-feira 5 de fevereiro. Segundo ela, outro entrave foi uma interferência do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), que o grupo tinha entendido ser desnecessária, por já ter contatado a Fundação Parques e Jardins. Entre trancos e barrancos, a ponte está de pé, não apenas para resgatar a história do parque, como para melhorar a segurança dos frequentadores, sobretudo das crianças.

Os resultados do cuidado com o Parque Guinle, informalmente assumido por Nedina Levy em 2008, quando passou a se dedicar diariamente ao local, estão por toda a parte. De 2015 a 2017, ela adotou o parque, período em que constatou a existência de tomadas puxadas dos postes de luz em locais estratégicos, usadas por traficantes para celulares e máquinas de cartões de crédito. “Do lago para trás não se podia ir, era perigoso”, lembra José Guimarães. O perigo afastava moradores, visitantes e crianças, que paulatinamente voltaram a ocupar a área de lazer na medida em que ela foi recuperando a segurança. Em 2015, foi organizada uma faxina na mata e, hoje, o parque se tornou um concorrido endereço para festas de aniversário ao ar livre.

O passo seguinte foi a criação do grupo Abraça Aves, em 2015, com 95 integrantes, que aglutina os moradores e cuida das 40 aves que transformaram o local em um pequeno jardim zoológico. “São patos, marrecos, gansos, cisnes, socós, mergulhões, tucanos e gaviões telheiros”, enumera Claudia Lustosa, doadora do primeiro casal de cisnes, Romeu e Julieta, que já passeiam pelo lago com um representante da segunda geração. Nedina fez também um curso de jardinagem e deu um toque de fada ao ambiente, com o plantio de bromélias, de árvores e a organização de novos canteiros. As benfeitorias incluíram ainda a instalação de um banheiro multiuso e de um berçário para as aves.

O palacete

O parque era o jardim do palacete de Eduardo Guinle (1846-1912), que adquiriu o Morro dos Ingleses com uma rica residência na Rua Carvalho de Sá 106, atual Gago Coutinho. O empresário planejava uma reforma, entretanto acabou por demolir o imóvel e construir o palacete — assinado por Joseph Gire e Armando Silva Telles —, inspirado no Cassino de Monte Carlo, em Mônaco. Para isso, foram trazidos da Europa mármore polido de Carrara, freixo e granito rosa polidos da Hungria, um gigantesco vitral de Champigneulle, o mais tradicional ateliê de vitrais da França, e painéis pintados por Georges Picard, responsável pela decoração do Cassino de Monte Carlo e um relógio de estilo Boulle, feito por Levasseur.

O rico empresário chegou até a erguer, em um terreno lateral, uma usina de eletricidade, para não ter de depender da Light, empresa com a qual sua família era brigada. O resultado final foi sua falência. Em 1926, o palacete passou a sediar a residência oficial da Presidência da República e, em 1974, foi cedido da União ao estado. Desde então, tem sido residência de governadores — embora alguns, como Leonel Brizola, tivessem declinado do endereço. O recém empossado Wilson Witzel ainda hesita se vai se mudar do Grajaú, na Zona Norte, para Laranjeiras.