Mãe de Marcus Vinícius, morto em ação policial na Maré com um tiro pelas costas, Bruna da Silva comenta discurso de Witzel
“Senhores e senhoras, bom dia. Tomo posse hoje como governador do Estado do Rio de Janeiro, graças ao desejo de mudança da população do nosso querido estado, que acreditou na esperança de dias melhores”. As primeiras palavras do discurso do novo governador do Estado do Rio, Wilson Witzel (PSC), foram acompanhadas por Bruna da Silva, de 36 anos, entre lágrimas de dor e revolta. Ela é mãe de Marcus Vinícius da Silva, de 14 anos, adolescente morto, em junho passado, com o uniforme da escola, com um tiro pelas costas, durante uma operação policial na Favela da Maré, na Zona Norte de um Rio de Janeiro então sob intervenção federal. Descrente no que está por vir, Bruna repetiu uma frase que chegou a dizer quando participou de um ato de apoio ao candidato Fernando Haddad (PT) na Maré durante a campanha eleitoral: “Pode preparar os sacos pretos, porque vai ter muito inocente para entrar dentro deles”.
Bruna assistiu aos ritos da cerimônia de posse de Witzel da laje da sua casa, na Vila dos Pinheiros. A todo momento, era possível escutar barulhos de fogos e até de disparos de arma que, segundo ela, não eram preocupantes, porque não se tratava de uma troca de tiros com a polícia. Segurando um café preto nas mãos e um cigarro apagado, ela tentava se mostrar forte: “Adoro falar do meu filho, porque ele ainda vive em mim. Escuto ele dizendo: ‘Mãe, levanta’. Fui do luto à luta”.
A fortaleza, porém, desmoronava a cada memória do filho que lhe ocorria, como a colcha do adolescente que nunca mais lavou, para sentir o seu cheiro, desde a morte, há seis meses. As lembranças vinham à tona quando ela falava da ausência do estado, das mazelas da comunidade e na descrença no futuro: “Não tenho água encanada, não temos luz da Light, atrás da minha casa tem um lixão que é um chiqueiro, as crianças daqui não têm onde brincar”, lamentou Bruna.
Bruna assistiu ao discurso de Witzel em silêncio na maior parte da transmissão. Balançava a cabeça fazendo sinal de negativo quase o tempo todo. Escutou quieta, por exemplo, o governador dizer que: “Tenho certeza de que, como governador, poderei colaborar muito mais na defesa dos necessitados”. Um momento em que a mãe do adolescente reagiu foi quando ouviu Witzel falar emocionado da esposa, Helena: “Eles têm o direito de ter os filhos deles, eu não”, disse Bruna.
Quando Witzel prometeu combater a corrupção e o narcotráfico, com a reorganização da polícia e a criação de um conselho de segurança, Bruna logo emendou: “Tem que começar aí dentro” — apontando o indicador direito para o plenário da Alerj. Bruna teme o aumento da violência policial: “O bandido está preparado, agora, para matar ou morrer. Se a polícia permanecer a mesma que o Pezão deixou, está todo mundo perdido”.
Bruna não votou nos governantes eleitos. Ela conta que chegou a desfazer amizades por causa da política. Revoltada, pintou no muro da casa de uma vizinha: “Eu odeio você que votou no Bolsonaro. Favelado burro”. A frase foi inscrita em tinta verde logo após as eleições. Bruna explica seus motivos: “Pessoas como o presidente Bolsonaro e o governador Witzel veem as minorias como lixo. Somos gente. Favelados, mas gente. Hoje, eles estão tomando posse, mas não sei como será o amanhã. Não quero que devolvam a minha única filha como fizeram com o meu filho”, desabafou Bruna, que tem outra filha de 12 anos, em tom de indignação. A mãe do adolescente diz quem sonha com mais “igualdade” para os moradores das favelas: “Estamos em desvantagem. O amor dos governantes não pode ser apenas para a Zona Sul do Rio de Janeiro”.
Ao escutar o governador finalizar seu discurso citando Carlos Lacerda — “A impunidade gera a audácia dos maus. O futuro não é o que se teme. O futuro é o que se ousa” —, Bruna demonstrou ter gostado da fala e disse: “Vou usar essa frase para quando quiser cobrar alguma coisa dele”.
Luta por Justiça
Bruna frisou novamente que a morte do filho não vai ser mais uma e que vai lutar por justiça. A mãe do jovem assegura que, até o momento, a família não recebeu qualquer ajuda das autoridades públicas. Segundo ela, o processo que moveu contra o estado é para uma “reparação”: “Um filho não tem preço. Não quero dinheiro, quero reparação do Estado, que deveria, sim, ter protegido o meu filho”.
Bruna conta que ao sair de casa, no dia da morte, o filho passou na casa de um amigo para irem juntos para a escola. No caminho, diante do intenso movimento na comunidade por causa da operação, os dois resolveram voltar para a casa, e Marcus Vinícius foi atingido. A mãe lembra uma conversa que teve com o adolescente no hospital, quando ele afirmou que o tiro que o atingiu teria partido de um veículo blindado da polícia: “Ele queria beber água, estava com sede. Não deixei. Disse a ele: ‘Meu filho, você não vê em filme que quando alguém é baleado não pode beber água?’. Eu tinha esperanças de que ele iria sobreviver”.
Bruna lembra que Marcus Vinícius era um menino feliz: “Ele já quis ser de tudo. Sonhou ser MC, jogar de futebol e até vendedor de biscoito. Mas eu dizia: ‘Filho, coloquei seu nome Marcus com ‘u’ para você ser doutor e ganhar dinheiro. Fazia fotos fazendo o número três, que significa: paz, justiça e liberdade”. Sem a presença do filho, Bruna fiz que as festas de fim de ano foram momentos difíceis para sua família.
