Pau-Brasil: Comandante-geral da PM promove um corte drástico em espécie no terreno onde mora em Botafogo
Quem flagrou a suspeita de crime ambiental foi a empresária Ana Luiza Werneck, 39 anos, ao passar pela Travessa Acaraí, na parede lateral da casa de nº 175 da Avenida Oswaldo Cruz, em Botafogo, na Zona Sul. “Estava à procura de bromélias nos galhos deitados ao chão, quando constatei, pelos espinhos, se tratar de um Pau-Brasil (Paubrasilia echinata), uma das árvores mais preservadas do país”, observou a empresária, que se apressou a alertar o Grupo de Reflorestamento Urbano, do qual participa. O mais curioso é que a casa, que tem mesmo uma aparência de bunker, com muros altos e visores, pertence ao comandante-geral da Polícia Militar do Rio, o coronel Luís Cláudio Laviano. Até o fim desta edição, a PM não havia retornado o contato feito pelo JORNAL DO BRASIL.
“Quem deu autorização? Qual o motivo para cortar um pau-brasil?”, questionou, com indignação, a aposentada Nedina Levi, 63 anos, que pertence ao mesmo grupo. Ana Luiza acrescenta que os vizinhos pareciam desolados com o corte: “Acabaram com nossa sombra”, eles se queixavam. O artista plástico Albert Kolker, 60 anos, há mais de 30 morador de um prédio próximo, lamentava: “Precisamos de árvores!”. Sua maior queixa, porém, se refere justamente à segurança — ou à falta de. “É uma área de muitos assaltos. Já chamamos a polícia, o Aterro Presente, mas ninguém aparece”, contou.
O diretor de Arborização da Fundação Parques e Jardins, Alamir Baratta, diz não ter recebido nenhum pedido de autorização para qualquer tipo de procedimento no local. Informa, contudo, que áreas privadas não necessitam de autorização para fazer podas. Admite, no entanto, que, em casos radicais como parece ser o do pau-brasil em questão, a configuração de crime ambiental vai depender de como foi realizada a poda: “Existem normas técnicas para esta finalidade”. Ele considera recomendável acionar a Patrulha Ambiental da prefeitura para “lavrar um auto de infração e tomar as medidas cabíveis”. O fato é que o responsável pelo ato não parece nem um pouco preocupado em disfarçar a iniciativa, uma vez que os galhos podados permanecem há dias abandonados na calçada.
Um pouco de história
Não é de hoje que as árvores de pau-brasil são abatidas no país. Segundo os historiadores, o corte dessa espécie da Mata Atlântica, para a exploração de sua madeira e resina, cuja tintura vermelha é usada na manufatura de tecidos de luxo, foi a primeira atividade econômica dos colonos portugueses na Terra de Santa Cruz. Foi sua abundância nas florestas nativas ainda inexploradas que acabou por batizar a colônia com o nome de Brasil. Já nessa época, as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas criaram regras e limites para a exploração das terras, águas e vegetação. Vem daí a lista de árvores reais, protegidas por lei, que originaram a expressão ‘madeira de lei’.
O pau-brasil não demorou a se tornar um cobiçado alvo de um lucrativo comércio e de contrabando por corsários franceses, em constantes ataques aos navios portugueses. Em 1600, o Regimento do Pau-Brasil estabeleceu o direito de uso sobre as árvores e não sobre as terras. As áreas consideradas reservas florestais da Coroa portuguesa não podiam ser destinadas à agricultura, legislação que garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando a tintura vermelha de sua resina passou a ser substituída pela anilina.
No século 20, a árvore já era considerada em risco de extinção, e passaram a surgir iniciativas para reproduzi-la a partir de sementes e usá-la em projetos de recuperação florestal, com algum sucesso. Hoje, o pau-brasil ganhou uso ornamental. Não se sabe se seu habitat natural será completamente devastado, porém, a sobrevivência da espécie poderia estar assegurada nos jardins das casas e canteiros urbanos. Só não contaram isso ao coronel Laviano.
