Pilastras abandonadas onde o Profeta Gentileza deixou suas inscrições ganham área de lazer

Por Celina Côrtes

Profeta Gentileza

Até o fim do ano, o Porto Maravilha vai abrir licitação para o projeto que mudará radicalmente a região entre a Rodoviária Novo Rio e o Hospital Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), em São Cristóvão, na Zona Norte. Em uma área de 10 mil m², sob o Viaduto do Gasômetro, no Caju — onde está eternizada a obra do Profeta Gentileza —, será construído o Parador Gentileza, complexo de lojas de utilidades, lanchonetes e restaurantes que promete revitalizar o espaço, hoje um perigoso e abandonado buraco negro. A ideia da Companhia de Desenvolvimento da Região do Porto (Cdurp) é entregar o projeto no primeiro semestre de 2019.

A inspiração é o High Line, parque suspenso em Nova York, onde havia uma linha férrea abandonada, com restaurantes, lojas, lanchonetes e o prestigioso Whitney Museum. “Nosso maior desafio continua a ser trazer habitações para o Porto Maravilha”, observa o CEO da Cdurp, Antonio Carlos Mendes Barbosa. Segundo ele, havia R$ 318 milhões destinados pelo Porto Maravilha à reurbanização dos morros da Previdência e Pinto, que acabaram desviados para a construção do Museu do Amanhã.

Uma das peculiaridades do projeto é a terminante proibição ao uso de gás, já que os futuros restaurantes e lanchonetes ficarão localizados sob um viaduto. “Terão de ser fogões por indução e este será um dos aspectos determinados na licitação. Haverá uma limitação ao tamanho dos estabelecimentos, cujo teto não poderá bater na estrutura do viaduto. Será um projeto pioneiro em todo o país, com os mais rígidos critérios de segurança”, sublinha.

O próprio Barbosa não esconde sua animação. Em um ano e sete meses em que ocupa o cargo, não foi procurado por sequer um interessado no Porto Maravilha. “Nos últimos três meses, entretanto, tenho recebido uma média de três empresários por semana, a maioria deles buscando habitações para a Zona Portuária”, diz. A simples presença da Bradesco Seguros no Port Corporate, que se muda no ano que vem para o moderno prédio com 38.379 m², construído pela Tishman Speyer, com três mil funcionários que ocuparão 18 pavimentos do imóvel, já começou a atrair aluguéis de salas para a região. “No início de 2017, se mantinham desocupadas 92% das três torres do Porto Atlântico, com seus 58.957m², localizados em frente ao Passeio Ernesto Nazareth, no Santo Cristo. Hoje, 30% delas já estão alugadas”, contabiliza.

Barbosa destaca que em 35 anos de Porto Madero, em Buenos Aires, onde foi realizado um projeto que corresponde a 5% do Porto Maravilha, ainda não há 100% de ocupação, embora seja um projeto consagrado. “São projetos de lenta ocupação”, alega. Até 2016, foram erguidos oito novos prédios no Porto Maravilha, que disponibilizaram ao mercado 245 mil m². Além dos já citados, figura o Edifício Nova, adquirido pela L’Oreal, com 20.294 m², sendo dois andares sublocados pela Nissan e outro dividido entre a Firch Ratings e a empresa de turismo AlaTur.

A mais nova aquisição da área é a Amil, que, segundo a Cdurp, ocupará de seis a sete andares dos 31.144 m² do Edifício Vista Guanabara — já com dois andares usados pela Casa Granado —, com 2.500 funcionários (informação não confirmada pela Amil). O Novo Cais, com 11 andares em 15.610m² de área construída, no Santo Cristo, sedia a empresa Odebrecht, responsável pela construção, e tem dois andares ocupados pelo Clube Empreendedor. Os 17.755 m² do Edifício Praia Formosa, que seria o Hotel Holiday Inn, permanecem desocupados. Já os 6.389 m² do Intercity, no Santo Cristo, estão ocupados pelos 168 quartos do hotel de mesmo nome.

Com dois andares já negociados pela Fábrica de Startups e o escritório Tauil & Chequer na primeira torre já erguida do AQWA Corporate, com 74.231 m², é aguardado o andamento das negociações da primeira para a construção da segunda. “O que mais ajuda o Porto Maravilha é a mobilidade proporcionada pelo VLT. Pode até ser difícil chegar aqui, mas em seu interior carros e ônibus são dispensados. Os prédios não necessitam de garagens, o que ajuda a baratear os custos. Além disso, toda a área tem iluminação aérea de Led e cabeamento de fibra ótica”, elenca Barbosa.


Profeta Gentileza

A frase mais conhecida do paranaense de Cafelândia, José Sandrino (1917-1996), era “Gentileza gera gentileza”. O que popularizou este pregador urbano, que perambulava pela zona portuária da cidade com sua túnica branca, longos cabelos e barba, foram suas inscrições sob o Viaduto do Gasômetro. Desde criança, ele puxava carroça vendendo lenha para ajudar a família. Por volta dos 13 anos, começou a ter premonições sobre sua missão na terra, e os pais chegaram a temer pela saúde mental do filho.

Após o trágico incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em 17 de dezembro de 1961, em Niterói, quando morreram mais de 500 pessoas, José acordou dizendo ter ouvido “vozes astrais”, que o mandavam se dedicar ao mundo espiritual. Mudou-se então com seu caminhão para o local do incêndio e, sobre as cinzas, plantou um jardim e uma horta. Foi ali que viveu por quatro anos. A partir de 1980 escolheu 56 pilastras do viaduto, preenchidas com inscrições verde e amarelas, sobre o mal-estar da civilização. Duas décadas depois, os mesmos foram tombados pela prefeitura. O que ele jamais poderia imaginar é que seu nome batizaria um projeto do porte do que vai ser erguido ano que vem no Porto Maravilha.