Alunos do Santo Agostinho fecham rua em ato contra proibição de livro

Por Maria Luisa de Melo

Saída do Santo Agostinho, no Leblon

Na tarde desta sexta-feira (5), alunos e ex-alunos do Colégio Santo Agostinho, no Leblon, Zona Sul do Rio, fizeram um ato contra a suspensão do uso do livro “Meninos sem pátria”, que teria uma suposta inclinação comunista, o que revoltou um grupo de responsáveis.

Anteriormente, pais, alunos e ex-alunos do Colégio Santo Agostinho, do Leblon, classificaram como uma censura provocada pelo radicalismo a decisão da escola de excluir da lista de leituras dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental o livro “Meninos sem Pátria”, de Luiz Puntel, por pressão de um grupo de pais. Publicado em 1981 e já na 23ª edição, o romance juvenil conta a história de um garoto do interior de São Paulo que vai viver no exílio com a família, depois que o pai, jornalista, passa a ser perseguido pela ditadura militar de 1964.

 

Segundo a estudante Maria Clara Nakamura, de 16 anos, a obra era adotada no colégio há, pelo menos, seis anos e ainda não havia sido alvo de tanta polêmica. “Usei esse livro, que é excelente, no sexto e no sétimo anos. Essa postura radical dos pais nos deixa revoltados, porque eles não percebem que estão prejudicando seus próprios filhos. E trata-se de um grupo pequeno de pais que reclamou. Tenho certeza de que esses que acusaram a escola de doutrinação nunca leram o livro”, critica.

Também aluna do 2º ano do Ensino Médio, Maria Eduarda Veras, de 17 anos, conta que os colegas já estão organizando um ato de repúdio à decisão da coordenação do colégio e cobrando mais diálogo com a comunidade escolar. “É uma completa censura. As coisas precisam de um pouco mais de discussão. Simplesmente, um grupo de pais foi atendido, e pronto. Faltou diálogo. E o livro já é usado nessa e em outras escolas há muito tempo. Por que o problema só teria surgido agora?”, questiona.

Mãe da aluna Maria Clara Nakamura, Ayllen Moreno, de 49 anos, credita a censura e o radicalismo aos pais que reclamaram da obra, e não à unidade de educação. “Os verdadeiros censores são os pais que são extremamente radicais. São os pais do mimimi. A ditadura militar, tratada pelo livro, foi um fato muito importante da história do país. Não pode ser negligenciada. O colégio sucumbiu a um grupo, que quer impedir seus filhos de ter contato com a História do Brasil, por conta de suas posições extremadas”, avaliou a advogada.

Para a aluna Sofia Moreno, do 3º ano, a rejeição dos pais à obra se deu por conta do momento político polarizado no país. “Os pais se sentiram incomodados por conta do momento político. A acusação de doutrinação comunista está completamente equivocada, porque o livro só narra os fatos. Essa exigência de retirada do livro do currículo só traduz o momento que estamos vivendo no Brasil. É um radicalismo provocado pela falta de diálogo”, opina.

Ex-aluno da unidade Barra da Tijuca, Robson Câmara disse que não se surpreendeu com a atitude do colégio. “No meu terceiro ano do segundo grau [hoje, 3º ano do Ensino Médio], alguns pais de alunos impediram que três livros fossem obrigatórios na aula de Literatura, porque não eram importantes para o vestibular. Um [dos títulos] era de Clarice Lispector. Foi a primeira vez que a li e foi uma experiência essencial na minha formação”, relembra.

A polêmica começou na segunda-feira, quando administradores da página “Ipanema Alerta” — cuja imagem de capa no Facebook traz uma propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, candidatos do PSL à Presidência da República e ao Senado — publicaram um post com o título “Colégio Santo Agostino - Leblon é acusado de doutrinar crianças do sexto ano (11 e 12 anos) com ideologia comunista em sala de aula” e um texto apócrifo que dizia: “Bom dia. Os pais do 6º ano do CSA estão indignados com o livro que a escola mandou ler no 4º bimestre. Meninos Sem Pátria conta a história de um jornalista que vive exilado com a família durante o regime militar e mediante a aventura, o livro critica governos militares enaltecendo a ótica de esquerda”. Apesar de alguns comentários favoráveis à postagem, a maioria a criticou com expressões como “as trevas voltaram” e “inquisição”.

Autor da obra alvo da polêmica, o escritor Luiz Puntel se disse surpreso com a decisão do colégio, já que a obra é adotada em diversas escolas. Ele também creditou a questão à polarização política. “Diante de tudo que estamos vivendo, as pessoas estão com os nervos à flor da pele”, avalia. “O livro tem 31 anos. Foi publicado quando ainda vivíamos a ditadura militar e sempre foi adotado nas escolas brasileiras. É o quarto mais vendido da Coleção Vaga-Lume [da Editora Ática]. Se o meu livro é uma apologia ao comunismo, então, “Dom Casmurro”, de Machado de Assim, é uma apologia à traição das mulheres? Não faz sentido”, compara.

Para Fernando Pena, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, o caso é “resultado do momento em que vivemos”, mas não se deve “ao contexto eleitoral”. “Há um discurso reacionário e uma perseguição a tudo aquilo que envolva questões como as de gênero ou política. O que aconteceu no Santo Agostinho vem acontecendo em várias escolas do país”, diz. Segundo o educador, em Araraquara, no interior de São Paulo, uma professora que trabalhou a obra “Capitães da areia”, de Jorge Amado, em sala foi acusada de doutrinação. “Há um movimento reacionário que incentiva os pais a pressionarem as escolas”, diz. O JB não conseguiu contactar os pais que pressionaram a escola. Procurada, a coordenação do colégio não se manifestou.