A reinvenção de um palco histórico

Instituto Europeu de Design anuncia obras de restauração do prédio de trás do Cassino da Urca, onde ocorriam os grandes shows com a orquestra da casa e grandes estrelas, como Carmen Miranda

Por Rogério Daflon

O prédio onde havia os shows do Cassino da Urca

Tombadas pelo município, as duas edificações que atualmente abrigam o Instituto Europeu de Design (IED) têm uma perspectiva de estabelecer uma maior harmonia entre si. Unidos por uma passarela, enquanto o prédio à frente passou por intensa restauração, o de fundos, colado ao Morro da Urca, está bem deteriorado. Nele, funcionava o palco de shows com um espaço para orquestra do mitológico Cassino da Urca, que começou a funcionar em 1932, ilegalmente, e, no ano seguinte, passou a fazer um incrível sucesso com a legalização do jogo no Brasil, justamente em 1933. Segundo o diretor do IED, Fábio Palma, o projeto executivo da intervenção está em fase final, e, por isso, já dá para dizer que em janeiro de 2019 as obras começam para valer. O custo já está calculado: R$ 21,4 milhões, com recursos próprios do IED e “o que for possível captar da Lei Rouanet”, como informa o próprio diretor do instituto. “As obras vão durar no máximo 30 meses. Assim, até 2021, o prédio anexo estará pronto”, projeta Palma.

O diretor explica que a regeneração dos prédios está no contrato de cessão de uso firmado com a prefeitura. “Uma das contrapartidas do IED são a recuperação dos prédios e, claro, manutenção e a transformação do espaço numa escola de design”, diz o diretor. A cessão de uso foi polêmica. A Associação de Moradores da Urca chegou a entrar com um processo para que o IED não fosse instalado no bairro. “Nós ganhamos o processo em primeira instância”, afirma Fabio Palma. O arquiteto Valdo Felinto diz o porquê do processo judicial: “A infraestrutura do bairro não comporta mais pressão, seja em termos de tráfego de veículos, seja em termos de rede de saneamento, que opera no limite”.

Seja como for, o IED assinou o contrato de cessão com a prefeitura em agosto de 2007. O prédio que dá para a Praia da Urca passou por uma completa revitalização entre 2007 e 2008. E até 2015 teve pequenas intervenções. As aulas começaram, em meio a esses ajustes, em 2013. Hoje, o prédio tem seis salas de aula, três laboratórios digitais e outro de moda, além de uma biblioteca e uma sala grande para aulas magnas, por onde circulam 600 alunos. Tudo isso espalhado por 2.300 metros quadrados. “Com o prédio anexo, o IED passará a ter seis mil metros quadrados”, pontua Fabio Palma.

O prédio é anexo, mas não menos importante. Os dois surgiram em 1922, como Hotel Balneário. Funcionaram 10 anos dessa forma, antes de se transformarem no Cassino da Urca. Autor do livro “O rei da roleta” (Casa da Palavra), João Perdigão ficou fascinado pela história do cassino ao narrar a vida de seu tio-avô Joaquim Rolla, que, diz a lenda, comprou boa parte do cassino de um dos, então, acionistas, cobrando dele dívida de jogo de pôquer. “O cassino, quando legalizado em 1933, teve algo que o impulsionou. O carnaval, que à época era perseguido, pela primeira vez ganhou recursos do poder público em plena capital federal”, conta Perdigão.

Muitos artistas passaram a se apresentar ali. O Trio de Ouro enlouquecia as plateias no palco do hoje abandonado prédio anexo. Entre diferentes formações, o trio chegou a ser integrado pelo casal Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. Em 1941, o cineasta Orson Welles esteve no cassino, filmou algumas cenas que nunca se transformaram em filme. João Perdigão diz que, no ano seguinte, Walt Disney esteve lá, onde, pela primeira vez, ouviu “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Em 1943, Disney lançou o filme “Alô, amigos”, levando a canção a ser conhecida internacionalmente. O cassino foi responsável também por impulsionar muitas carreiras. Dick Farney, por exemplo, foi um crooner ali entre 1941 e 1944. “Foi onde ele praticamente começou a cantar para um público mais amplo”, diz Perdigão, acrescentando que o grande cantor norte-americano Bing Crosby fez um show lá. A mais importante artista a se apresentar no cassino, porém, foi nada mais nada menos do que Carmen Miranda, onde permaneceu alguns anos como a principal estrela do lugar, na segunda metade dos anos 1930.

Fábio Palma explica que o entorno do palco dos shows do cassino vai abrigar mais salas de aula e laboratórios do IED. Mas deixa claro que ali haverá também atrações musicais e teatrais. O IED, ao que parece, vai lidar com as duas edificações, dando ênfase também à memória do lugar.

Em 1950, o cassino deu lugar a outra história: a da TV Tupi. Chacrinha, ou melhor, a Discoteca do Chacrinha surgiu ali, naquele palco. “O Céu é o Limite” de J. Silvestre, também foi produzido ali, tornando-se um programa pioneiro de perguntas e respostas. Shows de calouros comandados por Ary Barroso e Flávio Cavalcanti também faziam um tremendo sucesso.

Ary Barroso, por sinal, é um personagem e tanto dali. Frequentou tanto o cassino como a emissora. Não há, por sinal, qualquer vestígio que lembre a emissora nos dois prédios, o que é uma pena. Uma escola de design tem um potencial e tanto para fazer uma viagem no tempo nas duas edificações.