Crítica Teatro: Paisagem Nua

Por Ana Lúcia Vieira de Andrade

Em cartaz no Sesc Copacabana, Paisagem nua, espetáculo criado pela colaboração entre os artistas Joelson Gusson, Thereza Rocha, Bel Garcia e Luciana Fróes, dirigido pelos dois primeiros, com atuação de Gusson e Garcia aproxima dois temas aparentemente distantes: ‘moda’ e ‘morte’. O espetáculo foi concebido a partir da sugestiva série de retratos Landscapes with a corpse, em que o célebre fotógrafo e editor de moda japonês Izima Kaoru clicou top models japonesas trajando peças de alta costura dos maiores ícones do universo do estilismo em diferentes situações que retratam a morte, criando forte contraste entre a beleza quase perfeita das moças e as situações inusitadas em que se encontravam – caídas em escadas, jardins, obras de construção civil, supermercados, em casa ou na rua.

Inicialmente inspirados pelo pensamento de Walter Benjamin, especialmente aquele desenvolvido em Origem do Drama Barroco Alemão, o grupo, através dos dois atores, propõe ao público um jogo de associações e breves reflexões sobre a dificuldade de se explicar a morte, de se falar sobre ela ou mesmo de representá-la, sempre buscando a ligação com a moda como desejo de explorar questões em torno do fato de que toda estetização e beleza extremas carregam em si o seu contrário, ou seja, a própria dissolução. Moda e morte também se assemelham porque ambas estão repletas de caducidade e, por isso, precisam buscar o novo, abrir caminho para as coisas vindouras. As duas deixam no passado algo que caducou.

O espetáculo dirigido por Joelson Gusson e Bel Garcia, assim, aproxima-se das propostas performáticas que habitam com mais freqüência o universo contemporâneo das artes plásticas, pois trabalha no atrito entre realidade e ficção (a cena se realiza a partir, também, da reação concreta do público a ela), construindo-se como um mosaico onde pequenas partes juntas formam um todo antitético e fragmentado pelas múltiplas associações que propõe. Contudo, ao mesmo tempo em que se trabalha com a fragmentação, o encaminhamento dado à temática abordada acaba por mostrar-se coeso e coerente, ainda que não sintético. Seguindo uma linha ligada à poética pós-dramática, Paisagem Nua reflete a preocupação do artista hoje em lidar com o desaparecimento da arte como pacto simbólico, já que todo o aparato industrial do mundo se estetizou. Desse modo, abandona-se a síntese que revelaria um pensamento mais unívoco e fechado a favor do objetivo de criar estruturas parciais que ora alcançam momentos mais intensos ora apresentam-se carregadas de humor e ironia. O público, nesse caso, precisa colocar-se como produtor porque é a ele que cabe a tarefa de construir os sentidos do espetáculo.

Assim, para os que preferem um teatro que ainda não abriu mão de trabalhar com significados mais claros, constantes e apreensíveis, Paisagem Nua tem pouco a oferecer. No entanto, para aqueles que se sentem à vontade no terreno da dúvida e da reflexão mais multifacetada, o espetáculo resulta um programa de interesse e desafiador, pois consegue explorar de uma maneira leve e ligeiramente engraçada a semelhança entre a impossibilidade mais específica de representar seu tema (a morte) e o abandono mais geral, trazido pela prática pós-dramática, da própria crença na ideia de representação em teatro. Cotação: ** (Bom)