Operação Vícios deve ter cooperação da polícia dos EUA e da Suíça

Investigações apontam que fraudes nos contratos de controle de bebidas favorecia uma única empresa

Por Cláudia Freitas e Stefano Miranda

A Operação Vícios, deflagrada nesta quarta-feira (1/6) pela Polícia Federal (PF) em parceria com a Casa da Moeda e a Corregedoria–Geral do Ministério da Fazenda, para investigar fraudes em contratos referentes à implantação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), deve ter a sua segunda etapa em breve. As investigações desta nova fase da operação podem envolver a cooperação da polícia dos Estados Unidos e da Suíça. As informações foram reveladas por uma fonte ao Jornal do Brasil. 

De acordo com a PF, o esquema fraudulento teve início em 2009, com um faturamento referente a esses contratos que já ultrapassou a casa dos R$ 5 bilhões. As investigações apontam que a fraude favorecia uma única empresa, a Sicpa Brasil Indústria de Tintas e Sistema Ltda, gerida pela Casa da Moeda na confecção de selos rastreados de controle fiscal. Em uma licitação do ano de 2013, a companhia recebeu o valor de R$ 525 milhões para executar o serviço. Há ainda rumores de que duas multinacionais estariam envolvidas, sendo uma brasileira.

Segundo a fonte do JB, no ano de 2009, a Sicpa teria se favorecido da influência de de um funcionário da Receita Federal, para renovar o contrato que estava expirando naquele período. O nome do ex-Coordenador Geral de Fiscalização da Receita Federal, Marcelo Fish, está entre os investigados.

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A primeira fase da operação Vícios não tem como foco os crimes tributários, mas está concentrada nos indícios de lavagem de dinheiro e fraudes de licitação. Já a segunda etapa das investigações vai atingir outros possíveis crimes praticados pelos funcionários da Casa da Moeda e da Receita Federal. Até o momento foram citados 23 nomes de envolvidos, sendo 10 deles de funcionários da Casa da Moeda e da Receita Federal, que foram acusados de desviar cerca de R$ 100 milhões para pagamentos de propinas. O nome do ex-Coordenador Geral de Fiscalização da Receita, Marcelo Fisch, também consta na lista.

A PF deve contar ainda com a colaboração da polícia dos EUA e da Suíça. A Sicpa é uma empresa suíça com sede no Brasil, que além de fazer o controle de bebidas (Sicobe), também é a responsável por fornecer o controle de cigarros, o Scorpios. 

As mercadorias são marcadas pelo Sicobe com códigos seguros que funcionam como uma espécie de assinatura digital, possibilitando a Receita fazer o rastreamento individual de cada peça produzida no país. Esses códigos contém informações sobre o fabricante, a marca comercial, a linha de produção e a data de fabricação do produto. O código gerado pelo sistema é o mesmo, mas as informações contidas variam. A partir deste método, a Receita recebe a diferenciação de cada produto de acordo com as suas especificidades - um refrigerante 600 ml, ou 350ml, se a embalagem é de vidro ou PET, e assim por diante.

Em conversa com o Jornal do Brasil, o presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), Fernando Rodrigues de Bairros, comentou que há anos já vem denunciando essas irregularidades e explicou como funciona este selo holográfico, que serve, ou deveria servir, como um código de rastreamento. 

Segundo ele, os fabricantes de bebidas pagam pela manutenção do Sicobe - Sistema de Controle de Produção de Bebidas - por embalagem envasada um valor de R$0,03. Este valor é recolhido pela Casa da Moeda para custear a manutenção do Sistema, sendo um dos custos dessa manutenção o selo holográfico impresso na tampa de cada um dos produtos.

"Nós já estamos denunciando esse esquema há muitos anos. Só através dessa cobrança de R$ 0,03, a Casa da Moeda arrecada mais de R$ 1 bilhão anualmente. Nós temos um balanço que mostra que o custo que eles têm com o carimbo é inferior a R$ 0,01. Esses outros R$ 0,02 são frutos de fraudes. Esse é o grande problema do Brasil, todo sistema de controle é feito para fraudar. Criar um modelo de controle que não funciona é criar um meio de gerar propina", explicou Bairros.

Ainda de acordo com Fernando Rodrigues de Bairros, apenas a tinta que a Casa da Moeda utiliza nesse sistema de controle tem um superfaturamento no valor de até 900% em relação ao valor que é encontrado no mercado. E todo esse controle é feito em vão, pois, segundo ele, no Brasil não há a maquina que deveria fazer esse rastreamento dos produtos.

"O registro para controle é feito com um selo holográfico que fica na tampa das embalagens. A tinta que é usada na construção desse selo é fornecida para a Casa da Moeda por mais de R$ 2 mil o litro. Essa mesma tinta é comercializada no mercado por bem menos de R$ 200,00 o litro.  É uma diferença mínima de “apenas” 900% no valor da tinta. Apenas uma empresa pública, que não tem cunho lucrativo, pode se dar ao luxo de pagar esses valores. E para piorar a situação, esse registro é feito em vão, pois a máquina que faz o rastreamento não existe no Brasil. Cada vez que um produto sai da linha de produção eu faço o escaneamento e mando a quantidade produzida para a Receita. Essa tinta não tem nexo e nem serventia". Encerrou o presidente da Afrebras.

Em nota, a Sicpa Brasil afirma não ter cometido nenhuma irregularidade, e diz ter cumprido, desde 2008, todos os requisitos operacionais e legais do contrato junto a Casa da Moeda. E informa que irá colaborar com as investigações.

Em nota, a Casa da Moeda esclareceu que: "a empresa 100% pública, em cumprimento ao artigo 13 da Lei 12.995/2014, art. 58-T da Lei n° 10.833/2003, com redação dada pela Lei nº 11.827/2008, regulamentado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) por meio da Instrução Normativa RFB nº 869/2008, com redação alterada por outras Instruções Normativas RFB, contrata fornecedor para a prestação de serviço no âmbito nacional do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe). O valor recolhido pela CMB foi estabelecido em 2008 e vigora até hoje sem sofrer nenhum reajuste e inclui o pagamento de toda a infraestrutura e compra de insumos para a execução do serviço. Vale lembrar que o valor pago pelas pessoas jurídicas é uma taxa que pode ser deduzida da contribuição do PIS/Pasep ou da Cofins, conforme estabelece o parágrafo 3º da lei 12.995/2014".