Mudanças de hábito: nova geração descarta antigos costumes
Usar relógio, ver televisão e andar de carro particular não fazem mais parte da rotina
Com o avanço da tecnologia e as profundas alterações do mundo moderno, antigos e tradicionais hábitos estão deixando de fazer parte da rotina da nova geração. Estas mudanças são facilmente constatadas numa pesquisa de campo, que o Jornal do Brasil vem realizado nos últimos dias.
São raros os jovens que usam relógio, substituído pelo celular, com suas múltiplas funções e conectividade. Andar de carro também parece não estar entre as preferências deles, que usam como argumento principalmente os constantes engarrafamentos do Rio.
Ler jornais impressos também não está entre os hábitos dos jovens, que se informam pela internet, principalmente nas redes sociais. Televisão e suas programações tradicionais também estão cada vez mais sendo deixadas de lado. Eles preferem baixar programas e ver séries nos quais ele controla a frequência, a hora e o dia em que serão assistidos.
O estudante Gabriel Rodrigues, 22 anos, afirmou que realmente não utiliza nenhum relógio no pulso porque ele possui um celular que na tela mostra as horas. “Se eu precisar olhar hora é mais fácil olhar no celular, o horário já está ali”, disse. A também estudante Ingrid Tavares, quando perguntada se tem o hábito de usar relógio, respondeu imediatamente: “No pulso?” e em seguida completou: “Não possuo esse costume não, eu prefiro ver no celular.” Thamara Gonzalez explicou que passou a usar o relógio há pouco tempo, “cerca de um mês para cá, mas antes eu não usava, porque eu não gosto, me incomoda”, afirmou. O estudante Pedro Miguel, 23, acredita que o uso do relógio de pulso seja importante, mas ele acaba não usando por não ser um hábito comum: “Acredito que seria melhor para eu me organizar, mas acabo esquecendo.” Bruna Pereira Passos, estudante da PUC-Rio, respondeu a pergunta de forma direta: “Cara, eu vejo [a hora] no celular.”
Curiosamente, neste momento de forte mudanças de hábito, a Apple lança, sob o slogan de “o produto mais pessoal que já fizemos”, o Apple Watch – um relógio de pulso compatível com todos os produtos da marca. Será que os jovens trocarão o polivalente celular por este dispositivo de pulso?
Especialistas comentam mudanças na sociedade
A professora da faculdade de Educação da UFF Lucia de Mello e Souza Lehmann acredita que exista realmente uma mudança em curso na sociedade. Para ela, os jovens possuem uma facilidade maior para assimilar as novas tecnologias lançadas a cada momento pelas empresas, as novas redes sociais e os novos aplicativos que aparecem para os smartphones. “Acredito que todo mundo está se adaptando a essa nova realidade. No entanto, o jovem tem uma facilidade mais natural para se adequar. As pessoas mais velhas estão tentando, mas os jovens ainda não “cronificou” um comportamento específico do seu tempo”, explicou a professora.
“Você costuma assistir à televisão?”, o JB perguntou. A grande maioria respondeu que não vê por preferir programar o que quiser, na hora que quiser, em serviços de streaming na internet. A estudante Thais Passos disse que quase nunca assiste à televisão, que normalmente costuma assistir às séries e aos filmes que gosta na internet. A também estudante Bruna Pereira dos Santos disse que “não tem mais” o hábito de assistir à televisão. “Acabo vendo pela internet. Quando eu vejo TV é mais para ver filme e seriado, mas é bem programado, sabe? Escolho o filme que vou ver a hora que eu vou ver. Mas eu vejo mais pela internet, pelo computador”, disse.
A psicóloga Noeli Godoy acredita que os jovens não costumam mais assistir à televisão por não haver na grade de programação um conteúdo atrativo à faixa etária. “A relação deles com o conteúdo midiático, seja televisivo ou via internet, é um pouco diferenciado por questões contextuais e históricas. O que acontece é que os conteúdos televisivos não possuem mais atrativos para essa faixa etária. A luta pela audiência e as exigências publicitárias estão acima da produção de qualidade dos conteúdos televisivos. Filmes e novelas são repetitivas. Neste cenário é muito mais atrativo buscar a internet, cuja a possibilidade de interação é muito maior. A juventude pode opinar, expor pensamentos e afetos diante da informação recebida”, explicou Noeli.
A professora de Educação da UFF Lucia Lehmann afirma que um aparelho que consegue unir acesso à internet, música, possibilidade de se comunicar com outros, ler notícias é um grande atrativo para os jovens de forma geral. “Se você considerar, por exemplo, a distância e o percurso entre o Rio de Janeiro e Niterói, muito comum entre os jovens do Rio, esse aparelho com inúmeras funções é agradável para o jovem”, comentou a professora.
O estudante Lucas Barbosa Turcano disse que hoje em dia assiste bem menos à televisão do que costumava ver antigamente. “O que acontece é que hoje em dia a gente tem serviços como o Netflix, podemos baixar filmes na internet de graça, então está mudando muito a forma que nós assistimos à TV. Antes tínhamos a TV aberta, aí veio a fechada, agora a gente tem as várias formas de mídia, de assistir conteúdo e, na minha opinião, o mesmo pode ser transmitido para o jornal. Antigamente ele era em papel, e hoje ele é lido praticamente todo pela nossa geração na internet.”
A maioria dos entrevistados revelou que costuma preferir acessar as redes sociais para se informar, como é o caso do estudante Pedro Todesco, 22. “Normalmente, prefiro acessar pela internet todo o conteúdo de notícia. Primeiro olho os sites dos jornais, dou uma olhada no Twitter, às vezes a página do Facebook, por aí, as pessoas costumam compartilhar também e eu vejo e me informo.” O estudante Pedro Miguel, 23, disse que só costuma assistir à televisão para ficar junto com a família e que a internet toma praticamente todo o seu tempo de lazer. “Uso as redes sociais [para se informar]. O Facebook, o Twitter às vezes têm algumas coisas mais interessantes, assuntos que não são tão óbvios passam por lá e, de vez em quando, passo por sites de jornais para ler alguma coisa, mas é bem raro. Gosto de alguns comentaristas, mas é por ai, é muito rede social, pelo que os outros estão falando, não muito pelas notícias”, afirmou o estudante.
Meio de transporte
Pensando no meio ambiente ou no estresse causado pelo trânsito, grande parte dos entrevistados afirmou preferir utilizar os transportes públicos. “Ando muito de ônibus”, disse Thamara Gonzalez, “não gosto muito do metrô, mas ando muito de ônibus mesmo, porque não tenho carro”, disse. “Acho que o Rio de Janeiro é uma cidade muito bonita, então eu, por exemplo, pego muito o Aterro [do Flamengo] e gosto de pegar o ônibus, porque fico olhando pela janela, viajando”, disse Lucas Barbosa Turcano. O estudante Breno da Rocha Silva diz que, para ele, o modo certo seria a utilização constante dos transportes públicos, “sendo mais efetivo e mais pessoas parassem de usar o transporte privado, a gente teria menos veículos com mais pessoas dentro, o que seria bem mais rápido e com menos trânsito”, explicou o estudante. No entanto, apesar de preferirem os coletivos públicos para se locomoverem no dia a dia, os jovens preferem, no caso das saídas de final de semana, voltar para casa de táxi, por conta da pouca segurança à noite na cidade. Alguns estudantes, para preservar o meio ambiente, preferem ir além, como é o caso da estudante Manuela Rose Bardin, 21, que afirmou não utilizar carro. “Costumo ir de bicicleta para os lugares, porque acho que não polui o meio ambiente. Acho meio 'tosco' vir de ônibus e gastar dinheiro se posso vir de bicicleta. Carro, acho burrice, porque fica todo mundo preso duas horas no trânsito para ir do Humaitá ao Jardim Botânico.”
A professora Lucia Lehmann não duvida que algumas pessoas tenham o real interesse no meio ambiente, mas afirma que não é possível atribuir esse desejo a todos. Segundo ela, antigamente o maior desejo de um jovem era completar 18 anos para poder tirar a carteira de motorista e começar a andar de carro sozinho. “No entanto, a questão é que ter um carro despende energia, dinheiro, responsabilidade, algumas limitações, como por exemplo, ter que pagar estacionamento, gasolina, tem que levar na oficina e outros pequenos detalhes que não são práticos. Muitos da geração atual não se interessam por um carro, porque eles sabem que não podem beber e dirigir. Acaba que existe mais mobilidade com o transporte público dentro da cidade sem precisar de um carro particular.” A psicóloga Noeli Godoy completa afirmando: “Parece que há uma cultura de preservação da saúde e do meio ambiente, mas também há a possibilidade de maior ingestão de bebidas alcoólicas e o medo da violência.”
O estudante Hugo Issa, 25, afirmou que o transporte depende muito do destino e que só costuma usar transporte particular quando vai para um local que existe uma maior facilidade para estacionar. “Quando vou para o Centro ou para São Paulo, onde costumo ir bastante, uso o transporte público, bastante o metrô. Acho que é uma forma interessante de se locomover sem estresse e contribuindo para um trânsito melhor. Mas nos finais de semana depende: se tiver bebida, pego um transporte público, ou até mesmo o táxi, mesmo com preço mais elevado, ou a gente vai para a casa de algum dos nossos amigos”, disse.
Casamento
O JB também questionou sobre como é a visão atual sobre o casamento formal. “O título [casamento] não é uma coisa tão necessária hoje em dia”, conforme colocou o jovem Alan Rochlin, é o pensamento mais comum. “Acho que o casamento como uma instituição tem uma base muito religiosa, então hoje em dia as fronteiras estão se diluindo. O casamento é um conceito muito mais amplo que antigamente, não só mais aquela coisa de que duas pessoas vão a uma igreja, bem formal, mas duas pessoas que sejam do mesmo sexo ou sexo diferente, que moram junto, e tem até quem more separado, são válidas. Hoje em dia isso é uma coisa bem mais ampla”, disse Lucas Barbosa Turcano.
A psicóloga Noeli Godoy acredita que a juventude busca apenas ser feliz, independentemente da necessidade de um casamento formal. “Alguns valores convencionados vão perdendo seu sentido tradicional e recebendo outros. Tenho observado que as opiniões sobre casamento e união afetiva homo ou hétero estão bem divididas. Dependendo da formação, cultura, crenças, construções históricas, o jovem escolherá esse posicionamento. O que vejo de mais comum entre eles é que ainda acreditam no amor entre duas pessoas. Esse valor ainda não caiu e é o que penso ser o mais importante registrar aqui. É uma juventude que busca ser feliz, vencer, ampliar sua voz, deseja a potência de vida e deixar sua marca nesse tempo”, afirmou a psicóloga.
A professora Lucia Lehmann concorda com Noeli e destaca que as mudanças ocorridas no pensamento também têm se refletido nas leis aprovadas. "Concordo que está havendo essa transformação, até mesmo nas próprias leis, que foram absorvendo essas novas formas de casar. Hoje você tem a união estável, os jovens não estão mais muito preocupados com as formalidades e a instituição do casamento. O que acontece é que os parâmetros de amor, intimidade e relacionamento têm mudado.”
As profissionais também destacaram a mudança na intimidade e nos relacionamentos de forma geral com a introdução da tecnologia. “O conceito de individualidade e privacidade foram se transformando e se singularizando. Houve um crescimento na necessidade da exposição pessoal. O que outrora era privado, torna-se público por opção. Ouço relatos de aumento de autoestima de sujeitos que expõem sua vida pessoal nas redes sociais”, disse Noeli Godoy. Já Lucia Lehmann afirma que há uma mudança nos limites para a exposição. Muitas pessoas gostam de mostrar suas fotos, vídeos e pensamentos nas redes sociais. “Algumas pessoas não se incomodam de se expor dessa forma, mas é claro, há sempre uma encenação, um faz de conta para o outro ver. Os níveis de relacionamento são diferente e os parâmetros mudaram.”
*Do programa de Estágio do JB
