Tragédia modificou Santa Maria, aonde parentes de vítimas estão desamparados 

Até esta sexta-feira, 119 pessoas continuavam internadas. Mortes até agora somam 236

Por Caio Lima*

Apesar de o governo Dilma ter firmado o compromisso de arcar com as despesas dos funerais das vítimas do incêndio da boate Kiss, ocorrido na madrugada do último domingo (27) na cidade gaúcha de Santa Maria, alguns parentes de vítimas ainda estão preocupados com os gastos que tiveram.

Clarice Simões Corte Real, 47, aposentada por invalidez por ter somente 5% de visão, perdeu a filha Carolina Simões Corte Real, 17, e ainda não tem certeza do que irá acontecer daqui para frente em relação ao pagamento do funeral da filha. Segundo ela, o valor é de R$ 2.500, sem contar com a despesa do cemitério, que ainda não a procurou para cobrar, assim como a funerária A M Brum.

“Fui à prefeitura na sexta-feira (01) buscar informações de como ia ser feito o pagamento e lá me disseram que essa questão não é com eles e que não sabiam de nada. Então, perguntei: ‘quem pode me atender?’. Deram o endereço da Assistência Social e lá fui, a pé, embaixo de um sol de 35°, para receber a resposta de que não tinham informação para dar. Não estão tendo nenhum pouco de respeito com quem está passando por essa situação difícil”, critica Clarice.

De acordo com a mãe da vítima, a assistente social apenas anotou o nome completo de Carolina e disse que entraria em contato a partir da próxima segunda-feira (4).

Clarice, que não pode conseguir trabalho devido à aposentadoria por invalidez, diz não ter recursos para arcar com as despesas do funeral. No entanto, garante que, se o governo, “seja da prefeitura ou federal”, não pagar, dará “um jeito”.

“Se eu tiver que arcar, vou deixar alguma outra conta sem pagamento, mas espero que a prefeitura faça o mínimo por nós, pois é o mínimo que pode ser feito”, ressalta Clarice.

Empresas bancaram despesas

O Jornal do Brasil tentou entrar em contato com a funerária A M Brum, no entanto, foi informado que o responsável por passar informações só poderá falar na segunda-feira (4) 

Já a funerária Cauzzo, responsável pelo enterro de 54 vítimas do incêndio, afirma que, do total, 28 famílias já acertaram o pagamento no ato. Segundo o agente funerário da Cauzzo Fábio Monteiro, algumas empresas, para as quais parentes trabalham ou vítimas trabalhavam, bancaram as despesas.

“Não ligamos para nenhuma família cobrando, estamos deixando a própria família vir aqui para fazer a certidão de óbito e, após isso, veremos como será feito o pagamento”, afirmou Monteiro.

Herói relata clima em Santa Maria

Há exatamente uma semana, quando a boate Kiss incendiou, o número de vítimas fatais - até este sábado (2) são 236 - só não foi maior por causa da atuação do sobrinho de Clarice, o estudante de Educação Física da Universidade de Santa Maria (UFSM) Ezequiel Cortes Real, 23.

Ele foi considerado um herói por muitos graças à sua atuação no resgate das vítimas do incêndio. Sua foto no momento em que resgatava pessoas pela rua logo após o acidente da Kiss foi parar na capa do jornal americano New York Times.

Durante esta semana, a cidade com 260 mil habitantes se transformou em centro das atenções. Enquanto isto, seus moradores sofreram com a dor da perda de parentes , amigos ou simples conhecidos. Não faltaram manifestações públicas ou isoladas como demonstram as fotos feitas por Jader Peranzoni Benvegnú, um ex-estudante de Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde estudava a maioria das vítimas da tragédia. 

Há 10 anos na cidade, Jader perdeu quatro amigos no incêndio e tentou, pelas lentes da sua maquina de fotografar, retratar a dor vivenciada pelos moradores da cidade. A diferença do clima de Santa Maria anterior à tragédia para o clima desta semana de luto, quando ainda se encontram internados 119 jovens, é ressaltada nas fotos que Jader enviou ao Jornal do Brasil e no depoimento que o seu amigo Ezequiel deu ao JB

"Aqui em Santa Maria todo mundo é acostumado com gente jovem, a cidade tem um ar diferente, universitário. Você vê as pessoas toda hora, diversos carros passam pelas ruas com som alto, as pessoas sempre se encontram nas festas. 

Agora tudo isso está apagado e ninguém sabe como serão as aulas. Existe a mobilização de todos, só que tem muita gente ainda mal, nos hospitais.  

A passeata em homenagem às vítima do incêndio foi fora do normal, nunca existiu nada igual aqui, não se via o início nem o final dela e sempre chegava mais gente. Eu mesmo cheguei quando ela já estava em movimento. Todos que me viam, vinham me agradecer, me chamar de herói. É bom, mas é difícil, pois você recebe o elogio e não sabe nem o que falar. Não consigo botar meu sentimento, estou em choque ainda. 

Agora já está melhorando um pouco porque o pessoal está começando a tomar alta dos hospitais, mas ao mesmo tempo tem gente piorando e falecendo...

Tenho um amigo que está internado em Porto Alegre e já me passaram que está quase morto. A fumaça o corroeu todo por dentro e os médicos praticamente não sabem o que fazer.

Só agradeço a mobilização de todos"

*Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil