Clodovil: de estilista a precursor dos programas de celebridades

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Iesa Rodrigues, Jornal do Brasil

RIO - Clodovil Hernandes (1937-2009)foi um dos grandes estilistas brasileiros. Começou a exibir o talento depois de enviar um croquis para uma coluna de moda da revista Radiolândia.

Saiu da cidade natal, no interior paulista e foi para São Paulo, onde começou a desenhar modelos para várias casas de moda, na década de 50. Mas foi nos anos 1960 que ficou conhecido, graças ao truque de marketing que foi uma suposta competição com Dener.

A rivalidade rendeu notícias e acabou por mostrar a beleza dos vestidos assinados pelos dois estilistas. Clodovil sabia criar os longos bordados com flores sobre musselines e crepes pretos, tailleurs debruados de passamanarias de seda. Manteve o ateliê de alta costura em São Paulo e abriu uma loja própria nos anos 80.

Ao mesmo tempo, ganhava fama com a participação dando conselhos sobre moda no programa TV Mulher, na mesma fase em que Marta Suplicy falava sobre sexo. Só que Clodovil nunca se conformou em ser um mero conselheiro, entre um e outro croquis tecia comentários ferinos sobre personalidades do momento, como um precursos dos atuais programas de celebridades.

Mas ao contrário do que seria de imaginar, não foi apenas o fascínio pelo sucesso rápido da TV que afastou Clodovil da moda. A invasão das grifes européias no mercado brasileiro desencadeou o processo de revolta e decepção no estilista.

Para competir com as marcas licenciadas no Brasil, como Pierre Cardin, Yves Saint-Laurent e Valentino, Clodovil lançou uma coleção em verde e amarelo, com seu nome estampado. Mas as consumidoras queriam as bolsas e jeans dos nomes internacionais, e o fracasso da linha grifada made in Brazil levou ao afastamento do revoltado Clodovil da moda.

Com a repercussão dos diversos programas de TV, Clodovil Hernandes decidiu trocar as passarelas pelos palcos. E revelou um talento que surpreendeu até aos críticos de teatro, quando escreveu, atuou e cantou no espetáculo que contava sua vida. Falou da mãe adotiva, dos preconceitos por ser homossexual e mulato. A política foi mais um desafio, que também acabou surpreendendo com uma votação que garantiu um posto em Brasília.

Pessoalmente, ainda me recordo que Clodovil não era do tipo que corria atrás da imprensa. Muito pelo contrário. Quando soube que ele lançaria uma coleção de inverno em São Paulo, mesmo sem ter recebido convite, pedi para cobrir. Seguimos direto para o aeroporto, o repórter-fotográfico Evandro Teixeira e eu, e de Congonhas, direto para o ateliê nos Jardins, aonde chegamos ao anoitecer.

Lá do fundo da casa, Clodovil nos avistou na porta, sem convite, e veio, sem a menor demonstração de alegria, perguntar "Iesa, o que você está fazendo aqui?". Respondi que tinha vindo do Rio especialmente para ver o desfile, se podíamos entrar. Temperamental, Clô virou as costas, dizendo "você é que sabe", entrou no jardim e nem indicou um lugarzinho para sentar. Assisti em pé, depois de um atraso de mais de uma hora, a uma das mais bonitas coleções que já vi.

Anos (ou décadas) depois, nos encontramos em uma das edições da São Paulo Fashion Week. Visivelmente receoso de não ser reconhecido pela nova platéia dos desfiles, pediu para ficar do meu lado. De mãos dadas.