Governo corta R$ 1,2 bi do cinema brasileiro

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Por Gilberto Menezes Côrtes

Baque na combalida indústria nacional do cinema

Se já não bastassem as sucessivas demonstrações de desprezo à arte e à cultura nacional, cujo exemplo mais eloquente foi a Medida Provisória baixada pelo presidente Jair Bolsonaro, dia 29 de agosto, adiando para 2023 e 2024 o pagamento dos recursos para o setor cultural estabelecido pelas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, editadas neste ano (em reação do Senado que derrubou veto presidencial de abril), o governo acaba de dar outra tungada na cultura brasileira.

Desta vez, os alvos foram o cinema e a indústria do audiovisual, que vão perder, conforme o Projeto de Lei Orçamentária Anual 2023, R$ 1,2 bilhão da contribuição ao Condecine.

É um baque e tanto para a combalida indústria nacional do cinema. E a perda da arrecadação será em benefício da produção estrangeira de cinema (das gigantes Disney, Amazon, HBO e Netflix, além dos estúdios de Hollywood).

 

Terra estrangeira

Desde 2002 os dois segmentos vinham sendo amparados pela MP 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, que criou, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, mais conhecida pela sigla Condecine, cuja verba era administrada pela esvaziada Ancine (Agência Nacional do Cinema).

Pela MP, foi criada uma alíquota de 11% que incide sobre a remessa ao exterior de importâncias relativas a rendimentos decorrentes da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação. Mas as programadoras que aplicassem 3% do valor das remessas em projetos de produção de conteúdo audiovisual independente, aprovados pela Ancine, estariam isentas.

Pela lógica do projeto, que deve ter o dedo do ministro das Comunicações, Fábio Faria, genro de Silvio Santos, um dos grandes importadores de filmes estrangeiros, o cinema nacional vai ficar esperando para entrar numa sala de cinema de shopping ou nas cada vez mais raras salas de cinema de rua.

E o espectador pobre do interior do Brasil ou até o rico morador das cidades, que se delicia com filmes como “Cine Holliúdy” (que ganhou a continuação), vai perder um tempo enorme com os controles para encontrar um filme nacional nas telas de TV em casa. Antes, será seduzido por alguma megaprodução estelar derivada de histórias em quadrinhos (com muitos truques e pouco conteúdo).

Hollywood já foi moeda de troca

E pensar que a restrição à entrada de filmes de Hollywood já foi usada pelo então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, no governo Geisel, para quebrar barreiras comerciais a produtos brasileiros no mercado de Tio Sam.

Depois que os americanos começaram a impor restrições à entrada de tesourinhas de unha, mel e outras mercadorias na aduana dos Estados Unidos, Simonsen apertou o calo da indústria cinematográfica americana, ameaçando com barreiras e cotas de exibição.

Coube a Harry Stone, que era uma espécie de “embaixador de Hollywood”, aparar as arestas (não se sabe se com as próprias tesourinhas “made in Brazil”) e o mercado foi pacificado: os produtos brasileiros passaram a ter salvo conduto nos portos e aeroportos dos EUA, mas as salas de exibição tiveram uma reserva mínima de dias para exibição dos filmes nacionais.

Abertura das telas

No ano do Bicentenário da Independência do Brasil e após 214 anos da “Abertura dos Portos do Brasil às nações amigas” [leia-se Inglaterra], o Brasil, do governo Bolsonaro, abre as telonas e telinhas ao “streaming” estrangeiro.