'Sem educação não tem ciência', defende Helena Nader

Biomédica assume presidência de academia de ciências em maio

Por EDUCAÇÃO JB

Helena Nader, nova presidente da Academia Brasileira de Ciências

Ludmilla Souza - A biomédica Helena Bonciani Nader é a primeira mulher eleita para assumir a presidência da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – instituição fundada há 105 anos.

A eleição da doutora em ciências biológicas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) ocorreu durante a Assembleia-Geral da instituição, no dia 29 de março. Dos 568 membros habilitados para votar, 420 exerceram esse direito, já que o voto não é obrigatório.

Ela será empossada durante a Reunião Magna da ABC, entre os dias 3 e 5 de maio de 2022, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e assume o cargo para o triênio 2022-2025.

“Para mim, é uma alegria e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade, e também uma tristeza”, afirmou Helena.

“O fato de a gente ter que celebrar que é uma mulher, mostra que a nossa sociedade ainda está muito aquém. Nós temos muito para avançar. Eu vejo que o Brasil andou para trás nos últimos anos em relação não só às mulheres, mas aos direitos humanos como um todo. O Brasil andou para trás na cultura, nos povos originários, populações quilombolas e com as mulheres. Questionamentos como 'lugar da mulher é ficar em casa para cuidar dos filhos'. Não dá isso numa democracia, muito menos o estado querer advogar.”

A pesquisadora é vice-presidente da ABC desde 2019 e vai assumir a cadeira do físico Luiz Davidovich. O químico Jailson Bittencourt de Andrade, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atuante no Centro Universitário Senai-Cimatec, ocupará a vice-presidência na nova diretoria.

Helena Nader foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, 2011-2017), onde atualmente é presidente de honra, presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq, 2009-2010) e é co-presidente da Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas).

 

Pluralidade na ciência

Promover a pluralidade na ciência e a educação são pautas prioritárias para a nova presidente da ABC.

“Transformar a sociedade brasileira para ser uma sociedade mais justa, dando o primeiro ponto de luta, a educação. Sem educação não tem ciência, sem ciência não tem tecnologia, sem tecnologia não tem inovação. A academia vai lutar cada vez mais por isso e fazer uma ponte com a sociedade. Já fazemos, mas podemos melhorar.”

“A pandemia teve uma lado positivo, que foi mostrar para a sociedade o valor da ciência. O que queremos é dialogar mais com a sociedade, trabalhos [científicos] que são mais complexos, vamos colocar de uma forma mais objetiva”, afirmou Helena.

Outro ponto importante da nova gestão será o trabalho relacionado à igualdade de gênero na ciência.

“Temos mulheres [cientistas] capazes e eu vejo um impacto muito importante nas crianças. É mostrar para elas o seguinte, ‘independentemente da profissão, menina, você pode fazer o que quiser, não existe essa diferença’. Somos diferentes fisiologicamente, mas não intelectualmente, a mulher pode e deve bater na porta, se fechar dá a volta e vai em outra, vai à luta, não pode aceitar ‘não’ como resposta final”.

Ela aponta a médica e pesquisadora Margareth Dalcolmo – uma das principais especialistas em covid-19 e doenças pulmonares no país – como um exemplo para as novas gerações.

“Acho a Margareth uma mulher fora do comum no que ela faz. Sem contar outras, como a Ester Sabino [imunologista, pesquisadora e professora universitária brasileira]. Esta pandemia mostrou várias cientistas, que foram exemplos para as meninas e também para os meninos porque a clareza delas motivou também os meninos”.

Helena Nader lamenta que a divisão de tarefas domésticas ainda seja desigual e recaia sobre as mulheres prejudicando, muitas vezes, o trabalho intelectual e fora de casa.

“A pandemia prejudicou mais as mulheres cientistas do que os homens, não só no Brasil, no exterior também. Pelo fato de ficar todo mundo em casa, a produção científica dos homens aumentou, mas a das mulheres caiu. O que mostra as desigualdades. Quer dizer, a gente caminhou, mas um grande evento, como foi a pandemia, mostrou que esse equilíbrio nas relações de trabalho de casa, ainda é muito muito desigual e muito desfavorável para a mulher”, lamentou a pesquisadora.

A cientista reconhece que o Brasil precisa percorrer um longo caminho para combater desigualdades. Dentro da ciência, ela afirma ainda que é preciso garantir a entrada de mais negros e indígenas.

“No Brasil não é só a desigualdade entre homens e mulheres, mas a desigualdade entre as raças. A maioria do povo brasileiro é negra. A ciência ainda é muito pouco negra. Há poucos indígenas. O país tem que, primeiro, reconhecer que foi escravocrata e insistir em políticas públicas de inclusão”.

 

Diálogo

Com a bandeira do diálogo com a sociedade, Helena se entusiasma ao falar dos benefícios que a ciência pode trazer a todos. “Estamos fazendo ciência para a sociedade, seja para entender o mundo ou para gerar um determinado produto. A ciência é o acúmulo de conhecimentos para o bem estar da sociedade, por isso, esse diálogo vai ser muito importante”.

Em sua gestão, a pesquisadora diz que pretende também aumentar a interlocução com o governo.

“Vamos lutar para que o Brasil, de fato, assuma a educação e a ciência como política de Estado, e não de quem está com a caneta na mão, de quem é o governo de plantão. É difícil, mas a gente almeja. Vi isso acontecendo nos Estados Unidos, onde os legisladores, se não trouxerem o benefício para o coletivo - e o benefício não é o aumento de salário - eles não vão ser reeleitos”, destaca.

Helena acredita ainda na importância de se fazer um trabalho de convencimento com os legisladores.

“Muitas vezes, os deputados e senadores estão votando uma determinada legislação e há alguns detalhes que podem afetar fortemente a sociedade, como é o caso, por exemplo, da Medida Provisória (MP) em relação aos recursos voltados para gás e petróleo. Em vez de investir em ciência vão renovar a frotas de máquinas!", lamenta.

"O próprio [Donald] Trump [ex-presidente dos Estados Unidos] investiu mais em ciência, inclusive na indústria. As vacinas da Pfizer e da Moderna tiveram dinheiro público investido”, recorda a pesquisadora.

Ela se referia à MP 1.112/2022, que muda quatro leis com o objetivo de aportar recursos para o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País (Renovar).

As empresas contratadas para exploração e produção de petróleo e gás natural podem destinar recursos para o desmonte e a destruição dos veículos pesados em fim de vida útil e descontar o valor aplicado do total de investimentos que são obrigadas a fazer nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

 

Estudo com a heparina

A biomédica tem como objeto de pesquisa a heparina, um composto que evita a coagulação do sangue e impede a formação de trombos. A pesquisadora é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicou mais de 380 artigos em revistas científicas internacionais e já formou 46 mestres e 51 doutores, dos quais se orgulha em trabalhar junto.

“A heparina é um anticoagulante que até hoje não tem substituto, ele é retirado da mucosa intestinal bovina e suína, esse anticoagulante é fundamental para quem faz hemodiálise”, explica. O medicamento faz a prevenção de trombos no circuito de diálise.

Uma descoberta recente mostrou que a heparina pode impedir que o novo coronavírus invada as células. Os testes foram conduzidos por pesquisadores do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular da Universidade Federal de São Paulo (Infar/Unifesp).

“Tem uma camada no vaso sanguíneo que se chama endotélio e o sangue flui por ali. Com a covid-19, a célula endotelial fica lesada e, ao invés de ser antitrombótica, ela vira pró trombótica, ela coagula e o que se viu foi que a heparina tem um papel fundamental", explica.

"Há também o irmão gêmeo da heparina, e foi nosso laboratório [Infar/Unifesp], em conjunto com alguns laboratórios do exterior, o primeiro grupo mostrando que existe na superfície um receptor que é parecido com a heparina que se chama heparan e que é importante para interação do vírus. Quando se dá a heparina, você impede a entrada do novo coronavírus nas células. Fomos o primeiro laboratório a ver isto, publicamos e tivemos o auxílio da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], que foi fundamental”, frisou Helena. (com Agência Brasil)