País de obras paralisadas

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Em uma relação de relatórios desagradáveis a perambular pelas mesas ministeriais, não poderia faltar, como realmente não faltou, a vasta lista de obras federais interrompidas há anos ou décadas; como também várias as que foram abandonadas mais recentemente. É desanimador o número dos canteiros esquecidos durante os últimos governos. São 2.790 esqueletos de ferro e de concreto distribuídos por quase todas as unidades da Federação. E, diante desses cemitérios, onde jaz o dinheiro dos contribuintes, o governo, se desejar não omitir-se, certamente é chamado a enfrentar dois problemas, sem que se possa saber qual deles requer maiores atenções. A primeira dificuldade é de ordem financeira, dado o volume de recursos exigidos para a retomada; na verdade, nem foi possível saber exatamente o quanto teria de ser investido, a não ser que, para tanto, sempre haverá pouco dinheiro.

Quem tem examinado os meandros desse imenso desafio, sabendo que os cofres do governo também agora não são suficientemente robustos, sugere que o caminho é adotar uma corajosa incursão nos fundos de capitalização. Ou, ainda, atrair para esses projetos uma parte das ricas aplicações do dinheiro nacional que sai para o Exterior. Mas seria oportuno considerar, para que a questão não se perca apenas na escassez das verbas, os muitos embaraços de ordem administrativa ou burocrática, eles também responsáveis por vários casos de solução de continuidade. Trata-se de um estorvo que talvez possa ser conferido em consultas ao Tribunal de Contas da União, onde muitas vezes foram pedidos esclarecimentos sobre projetos irregulares ou suspeitos; uma visita aos arquivos do TCU, porque a pobreza do erário explica muito, mas não explica o suficiente.

Outra dificuldade, supondo-se que algumas verbas até pudessem ser alocadas, é a questão das prioridades a serem traçadas, considerando-se a total impossibilidade de todas serem retomadas e concluídas. Eis uma tarefa delicada, porque na escolha dos projetos privilegiados para conclusão influiria um componente político poderoso, já que os grupos de apoio ao governo certamente pretenderiam ver aquinhoados seus estados e redutos eleitorais. Tarefa assaz espinhosa que parece caber, acima de qualquer outro setor, ao ministério do Desenvolvimento Regional.

O problema dos muitos abandonos é imenso, sejam quais forem os aspectos analisados. E, talvez, por causa de todos os fatores somados a pressionar, o governo acabaria se vendo na contingência de acomodar-se, transferindo para os que vierem a sucedê-lo a pesada herança. Tal como o atual está recebendo do anterior.

Uma avaliação, ainda que na superficialidade, sobre a natureza das obras iniciadas e abandonadas, deixa claro que é na pasta do ministro Gustavo Canuto que se concentra a grande maioria delas. Porque são raros os projetos que escapam do interesse regional. Alguns já muito antigos, sendo o mais idoso deles o traçado da BR-101, que começou há trinta anos. E adormece.

Mas, se alguma iniciativa for acolhida, como resultado de criteriosa seleção que se espera, as recentes tragédias vividas pelo país, concretizadas ou ainda como ameaça, precisam conferir prioridade absoluta aos reservatórios de água e barragens de resíduos. Na lista de quase três milhares de projetos suspensos também figuram muitas represas, pois, se algumas lograram a conclusão, agora demandam investimentos de manutenção e reparos. Constituiria grave descuido achar que os riscos de novas tragédias restringem-se a Minas Gerais, pois espalham-se por vários outros estados, sobretudo no Nordeste.