Todas as mulheres de Democracia em Vertigem

Por LÍDICE LEÃO

Voltei de férias essa semana e os acontecimentos já estavam em ritmo frenético. As mulheres ocupavam a linha de frente, lideradas por Petra Costa e o documentário Democracia em Vertigem. Nas minhas redes sociais, uma multidão feminina comemorava a indicação da produção ao Oscar. Os homens também vibravam. A maioria das postagens destacava a participação de uma grande equipe de mulheres em todo o processo que envolveu o documentário. Foi bonito voltar ao trabalho nesse clima. E a certeza de que nem tudo está perdido dá aquela força para continuar, seguir em frente, sem entregar os pontos e o país aos incultos, iletrados, ao anti-intelectualismo.

Assisti ao Democracia em Vertigem à época do lançamento e chorei muito em vários momentos. Misto de tristeza e revolta pelo caminho que trilhou o Brasil após todas aquelas negociatas obscuras. Fiz uma mini-sessão de cinema em casa e minha mãe estava presente. Ela não abriu a boca durante toda a transmissão. O silêncio prosseguiu após o final do filme. A cabeça dela se movimentava para os lados em um movimento negativo, de inconformismo. Após alguns minutos de digestão, dona Gilca deu o veredicto: que mulher forte é a Dilma.

Mãe sempre sabe o que diz. Seja para vociferar contra a nossa resistência em levar casaco e soltar o profético “eu avisei” quando o tempo fecha e morremos de frio, seja para adivinhar que “esse filme vai dar o que falar porque mostra os bastidores da coragem e determinação da Dilma”. Pois é. O documentário deu o que falar. E dará ainda. O Oscar 2020 terá gosto e clima de Copa do Mundo para a parte lúcida do Brasil. Está bem, talvez haja algum exagero aqui, mas a empolgação me faz exagerar: um filme dirigido pela Petra Costa, com uma equipe composta por muitas mulheres – e muitos homens também, mas a presença maciça feminina chama atenção – sobre uma articulação político-masculina sombria para tirar uma mulher da presidência da República. Não está em questão nesta reflexão se o leitor considera que Dilma Rousseff errou ou acertou em maior grau. A pergunta que nunca será respondida é: e se no Planalto estivesse um homem? A história seria diferente?

Democracia em Vertigem, na voz suave de Petra Costa, dá os caminhos para uma possível resposta. Mas que será, sempre, uma hipótese. Eu tenho a minha. O fato é que a mulherada que produziu, executou, dirigiu, roteirizou o documentário estará lá no tapete vermelho sob a admiração e a torcida das mulheres daqui. E dos homens também, é claro. Serão muitas mulheres a representar um documentário que tem uma mulher como figura central. Histórico. Bonito. Motivo de orgulho.

Apesar do vídeo em que o cantor sertanejo Victor Chaves debocha da Justiça e dos chutes que desferiu contra a ex-mulher no elevador do prédio em que morava. Por causa de agressões com os pés na barriga da então esposa grávida de quatro meses, filmadas pela câmera de segurança, ele foi condenado a dezoito dias de pena em regime aberto.

Apesar de o goleiro Jean, que foi acusado pela própria mulher de espancá-la com socos, voltar a ser tratado como ídolo após o anúncio de que jogará pelo Atlético de Goiás. O casal estava de férias nos Estados Unidos – onde Jean chegou a ser preso após as acusações – quando a vítima pediu socorro com postagens em uma rede social.

Apesar de o goleiro Bruno ter dado autógrafos e posado para fotos com crianças nos gramados de um time da série B.

Apesar de o Brasil ainda ocupar o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio.

O ano está apenas começando. A estratégia é: focar nas coisas boas para ganharmos forças e seguirmos no combate às aberrações de parte de uma sociedade doente. Vai, Democracia em Vertigem!

 

 

Lídice Leão é jornalista e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.