Ao ministro da Educação

Por Carlos Alberto Rabaça*

As primeiras movimentações do ministro Ricardo Vélez Rodrigues têm deixado especialistas receosos sobre os rumos da Educação, sobretudo no nível superior. Segundo alguns educadores, o perfil que se desenha para o Ministério mostra um desvio de foco dos problemas centrais da área para uma cruzada contra o que o governo chama de “doutrinação ideológica”. Nossas universidades foram levadas a acreditar, em geral por boas razões, que o conhecimento e a percepção – como a arte – são produtos de espíritos independentes que seguem cada qual a sua inclinação, sendo difícil alcançá-los de outro modo. No ensino de 3º grau, profissionais de muitas disciplinas seguem linhas de indagação determinadas por eles próprios, individualmente e colegiadamente, sem serem ditadas por ninguém, por motivos ideológicos ou práticos. Somente numa universidade a indagação e o ensino podem construir um todo criativo, de modo que o conhecimento e a percepção do erudito cheguem ao estudante. Para isso os professores devem ter liberdade de ensinar na medida de sua erudição. E a universidade – com sua dupla liberdade de indagação e de ensino – deve ser julgada por critérios profissionais e, somente, por estes.

A universidade dedica-se à livre pesquisa e ao método da razão, por mais falho que seja. É agnóstica e neutra até certo ponto. A razão e a neutralidade podem, de certos ângulos, ser consideradas como políticas. Para o radical – da esquerda ou da direita – empenhado em alcançar objetivos sociais imediatos que considera como imperativos morais, essa neutralidade parece compromisso com o outro lado. A neutralidade e o agnosticismo são, na realidade, capazes de ter como resultado prático uma atitude de gradualismo e rejeição do ativismo absoluto. Os intelectuais estão comprometidos, em suma, com o pensamento que se pode opor à ação, mas que reflete preocupação com o futuro político do país. Devemos admitir que a neutralidade oriunda desse compromisso tem consequências práticas. Não foi por acaso que um nazista disse: “quando ouço a palavra cultura, pego o revólver”. As universidades e as organizações profissionais e eruditas são também instituições da ordem existente, com funções especiais, inclusive o questionamento de suas premissas e da própria sociedade. Não obstante, têm uma preferência implícita para com seus pressupostos básicos, uma fidelidade aos princípios e estruturas mínimos que tendem à sua preservação. Isso é também uma tendência política. Os juízes, por exemplo, não prestam juramento à humanidade, em geral, nem juram seguir sua própria consciência. Fazem um juramento de apoio à lei e à Constituição, com seu significado político próprio. As universidades têm compromissos menos explícitos, ainda assim devem ser vistas realisticamente como baseadas no pressuposto de uma fidelidade generalizada a essa sociedade. Até mesmo o grau de independência na pesquisa e a liberdade de opinião radical da universidade asseguram a aceitação institucional da legitimidade do regime. O envolvimento político nesse sentido ampliado do termo é tão defensável quanto inelutável e perfeitamente coerente.

Se as universidades fossem identificadas politicamente, professores e alunos fariam sua seleção por motivos ideológicos e a instituição se tornaria monolítica. A população de uma universidade – estudantes, professores e funcionários – é demasiado grande para permitir essa identidade à parte. Uma instituição doutrinariamente envolvida, nesse sentido, dificilmente poderia evitar que seus amplos recursos humanos fossem direcionados a tal fim; tentaria convencer seus membros e, finalmente, obrigá-los a se dedicarem à consecução da finalidade a que a instituição está consagrada. Isso seria a morte não só da diversidade e do intercâmbio de ideias, mas de toda livre indagação. Em última análise, que outro objetivo pode ter a exigência de envolvimento político e, mesmo que não seja esse o objetivo, como pode ser isso evitado? Seguir-se-ia a perda de qualidade, e em última análise, de conteúdo intelectual. Há um custo adicional na politização da universidade através de pressão para que aceite compromissos e missões. Abordo esse ponto com cautela, porque a universidade não é uma igreja, seus membros não são sacerdotes, não são nem mesmo uma forma de elite política cujos juízos sobre as questões sejam particularmente sábios e dignos de ser ouvidos. No todo, o inverso me parece verdadeiro. Não obstante, embora não sendo sacerdotes ou filósofos, os estudiosos se mantêm, por vezes, num distanciamento valioso. São poucas as informações e opiniões que penetram o universo do discurso político com o crédito do desinteresse. As que existem, vêm de acadêmicos e profissionais cujas credenciais foram dadas pelas universidades ou outras organizações profissionais e de cultura, reconhecidamente de acordo com padrões neutros, e não com objetivos políticos. Se as próprias instituições “credenciadoras” se tornarem politicamente engajadas, seu credenciamento perde valor e a sociedade ficará mais pobre.

* Sociólogo e professor