Protagonismo: negros na História

Por Ivanir dos Santos*

Quando falamos, pautamos e reivindicamos o protagonismo de mulheres negras e homens negros na sociedade brasileira estamos questionando não só os lugares aos quais, de forma direta ou indireta, somos associados – marginalidade e subalternidade –, mas também os elos de permanência de uma cultura colonial que ainda não conseguiu atingir ação e ideias voltadas para diversidade, pluralidade e, principalmente, para a tolerância. Ora, nada contra sermos associados a comunidades ou marginais. Ser de comunidade ou associado à marginalidade social, com salários mais baixos, falta de saneamento básico, locomoções restritas e baixa escolaridade, faz parte do grande imaginário social, político e religioso brasileiro que objetificou e coisificou os corpos negros como um nada.

Por isso é nosso dever pautar que esse lugares, que são representados dentro e foras dos meios de comunicação, não são os lugares desejados por nós, nem muito menos a herança que desejamos perpetuar. E nada mais contundente do que pensar, repensar e tentar recodificar a educação colonial por ações descolonizadoras contra um racismo estrutural velado que vem, cada vez mais, se camuflando de “boas intenções”.

Nossos negros corpos já vêm reivindicando há séculos um lugar desassociado à subalternidade social... Zumbi, Dandara, Aqualtune, Luiza Mahin, João Cândido, Cruz e Sousa, Castro Alvez, Luiz Gama, Edmeia Silva, Carolina de Jesus, Mãe Menininha, Mãe Beata de Iemanjá, Marielle Franco, Marcos Romão, Mestre Moa do Katendê e outros tantos corpos negros que fizeram de suas lutas contra a opressão a marca da resistência negra na história.

E foi através dessa e de outras tantas lutas que hoje ocupamos espaços, ou melhor, reivindicamos a justa divisão dos espaços que outrora eram ocupados apenas por pessoas não negras, quando não por sua grande maioria, haja visto os espaços acadêmicos que foram galgados com grandes e intensas lutas a favor das cotas raciais. E, assim, de mão dadas e pensando nos processos sucessórios na luta ante colonialismos, vamos tecendo as nossas negras resistências e projetando um novo lugar que não o da subalternidade e da marginalidade e invisibilidade social.

Terminamos o mês de novembro com consciência de que somos mulheres negras e homens negros; todos os dias precisamos ser vistos e enxergados todos os dias além do mês de novembro. Somos homens e mulheres que movem e movimentam todos os dias as estruturas do nosso país. Somos homens e mulheres que todos os dias escrevemos e inscrevemos nossas marcas por justiça em um país que nos recebeu na condição de escravos e, hoje, na contemporaneidade, tenta a todo custo nos impedir de reescrever as nossas histórias!

Nossas resistências vêm de longe. Atravessamos o período colonial, imperial e ainda sobrevivemos no período republicano! Sobrevivemos como os nossos negros corpos, rasgados, mutilados em pequenos pedaços por aqueles e aquelas que nos separaram de nossas raízes negras africanas. E como bem disse a negra escritora Conceição Evaristo, “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. Estamos iniciando, ou melhor, reiniciando uma nova etapa de reconfiguração das nossas forças e resistências negras contra as intolerâncias.

* Babalawô; coordenador da Coordenadoria de Experiências Religiosas Tradicionais Africanas, Afro-Brasileiras, Racismo e Intolerância Religiosa