Caravanas

Por Ricardo José de Azevedo Marinho*

Vista de uma perspectiva superficial, as caravanas dos centro-americanos, ou êxodo de hondurenhos, salvadorenhos e guatemaltecos fugindo de seus países, deveriam receber e merecer solidariedade das forças democráticas brasileiras.Para começar, porque aqueles que marcham são pessoas de recursos muito escassos, mulheres, crianças e jovens, que despertariam a simpatia e apoio de todos.

Então, porque é relativamente simples e verdadeiro dizer que a viagem de centenas de milhares de centro-americanos ao longo dos últimos 30 anos e dos milhares de refugiados que fogem hoje, deve-se, pelo menos em parte, à política dos EUA na América Central. Seja pelas guerras civis causadas e/ou financiadas por Washington, ou pela deportação de milhares de gangues dos EUA para seus países de origem, ou porque por muitos anos os governos americanos protegeram as oligarquias desses países, que são os principais responsáveis pela pobreza e violência que acometem suas populações, as caravanas se encaixariam bem no tradicional anti-imperialismo das forças democráticas.

Além disso, em algumas situações, os ativistas e/ou organizadores, especialmente hondurenhos, vêm de uma espécie de esquerda daquele país, encarnando por muitos – não todos – por Manuel Zelaya, ex-presidente exilado que foi afastado em 2009.Deveria haver um entendimento natural entre amplas fileiras das forças democráticas e as colunas de migrantes.As forças democráticas brasileiras não foram capazes de construir uma narrativa de solidariedade para com os advindos do exterior e buscam algum tipo de refúgio no Brasil. Nem tão pouco para os médicos cubanos do Programa Mais Médicos. Quem acaba por fazer isso é o povo brasileiro.

Pelas imagens disponibilizadas pela imprensa, grupos se aproximaram das caravanas e centenas de nativos das cidades por onde passam oferecendo água, comida, abrigo, atendimento médico, entre outras necessidades, talvez mais nos primeiros dias do que agora.Mas a solidariedade com os centro-americanos simplesmente não aconteceu.

A negligência tradicional, o torpor e passividade explicam em parte o fenômeno.Mas parece-me que é correto localizar a apatia de todas as forças democráticas, no contexto da montagem do próximo governo brasileiro que se inicia em 2019 claramente a favor de Trump.Não é segredo para ninguém que Trump está profundamente obcecado com caravanas e que não foi apenas por uma questão eleitoral.Também não é ciência oculta entender que as forças democráticas decidiram pelo silêncio do que antecipar um conflito com Trump, tal como o que acabou por acontecer toscamente com o Programa Mais Médicos. Não é preciso muita imaginação para suspeitar que, pelo menos no que diz respeito ao curso dos acontecimentos, não há necessidade de apoiar os centro-americanos.Ninguém irá se mobilizar agora que as caravanas começam a se avolumar na fronteira dos EUA para oferecer comida, água etc.É necessário evitar que Trump fique com raiva, e se os centro-americanos sofrerem as consequências, nada poderá ser feito.

As únicas “Caravanas” bem vindas foram as de Chico Buarque de Hollanda, agraciadas nesse início de novembro no Grammy Latino, em Las Vegas, onde, aliás, não compareceu.

* Historiador, professor da Unigranrio