Convivência como tratamento

Por Gustavo Cahu Domingues*

Com a recente divulgação de novas estatísticas sobre suicídios em nosso país, mais uma vez evidenciando que a existência prévia de transtornos mentais continua sendo um dos principais fatores de risco, a discussão sobre como diminuir essas taxas entre os portadores da, talvez, mais grave e discriminada patologia emocional, a esquizofrenia, volta a se fazer necessária. Num momento em que o próprio governo se compromete com a OMS a diminuir a incidência de suicídios até a próxima década em 10%, eu pergunto: como fazer para proteger essas vidas e o que fazer para que essas pessoas tenham uma “vida”?

A esquizofrenia é um transtorno que atinge 1% da população mundial e é bem reconhecida pelo que os psiquiatras chamam de “sintomas positivos”, que são os delírios, alterações na esfera do pensamento e na relação deste com a realidade; e as alucinações, alterações sensoperceptivas majoritariamente de caráter auditivo, o famoso “ouvir vozes”.

Essa sintomatologia positiva chama atenção pelo sofrimento, desorganização e exaltação causados pela atividade delirante-alucinatória. Entretanto, esconde o caráter mais sombrio e destruidor do transtorno: o embotamento, que causa dificuldade em manter relações sociais e afetivas, o isolamento e uma alteração na essência da pessoa, em sua personalidade.

Ao observarmos nossa própria existência, podemos perceber que o que nos traz “vida” é o estabelecimento de relações, seja com pessoas, trabalho, objetos, animais de estimação ou mesmo sonhos, desejos e esperanças. As pessoas que sofrem de esquizofrenia criam relações com seus delírios, um mundo novo, singular, deles. Uma relação intensa e dolorosa quando confrontada com a realidade. Quando os perdem, vêm à tona todos os “sintomas negativos”.

Cuidar desse aspecto é fundamental. O estabelecimento de preceitos da reforma psiquiátrica, onde se preconiza o cuidado dessas pessoas longe de ambiente hospitalar, manicomial, é a pedra angular no cuidado desse lado sombrio da doença. Nesse sentido, os centros de atenção psicossociais e seus semelhantes, centros voltados para o acolhimento com diversos tipos de abordagens terapêuticas e atividades ocupacionais, oferecem um espaço onde essas pessoas podem conviver e serem ouvidas. São dispositivos fundamentais para que essas pessoas possam estabelecer relações, novos contatos afetivos, desenvolvê-los.

Todos esses fatores contribuem para a diminuição do risco de suicídio. Não é à toa que dentre diversos fatores identificados nas últimas estatísticas relacionadas ao tema, apenas um era um fator protetivo: a presença de centros psiquiátricos de convivência nos municípios, que reduz em 14% o risco de suicídio, além de promover a melhoria de qualidade de vida e inserção social. Para alguém que teve suas capacidades sociais desestabilizadas por uma patologia gravíssima, poder ter um tratamento mais humano, em um ambiente acolhedor, é fundamental para a melhoria da suaqualidade de vida, o respeito à individualidade e o resgate à dignidade. Como sociedade, é nosso dever incentivar e colocar isso em prática.

* Psiquiatra