Exército fotografa tela de computador e jornalista da Agência Pública após perguntas

General Marcius Cardoso Netto foi indagado sobre criticas de indígenas

Por JORNAL DO BRASIL com Agência Pública

General Marcius Cardoso Netto foi indagado sobre criticas de indígenas

Rubens Valente, José Medeiros - Momentos depois que a Agência Pública dirigiu perguntas incômodas ao general Marcius (ele não forneceu o nome completo), durante um encontro entre parlamentares do Congresso Nacional com indígenas em Atalaia do Norte (AM), um militar fotografou a tela do computador pessoal do jornalista da agência. Antes, o jornalista havia indagado ao general quais seus esclarecimentos a respeito de críticas e denúncias feitas ao microfone por lideranças indígenas do Vale do Javari.

As fotografias foram tomadas pelas costas do jornalista, quando ele acompanhava e transcrevia os discursos dos parlamentares na sede da Univaja, a principal entidade indígena do Vale do Javari. Os senadores e deputados representavam duas comissões externas, da Câmara e do Senado, criadas para apurar o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips e a ausência do Estado na região do Javari.

Ao saber que estava sendo fotografado, o jornalista se aproximou do autor das imagens, um soldado que tinha parte da sua identificação coberta pela correia de apoio da máquina fotográfica. Foi possível visualizar apenas “Amon-H[…]”.

Seguiu-se o diálogo no corredor da Univaja, que foi gravado em vídeo pela Agência Pública:

Jornalista – O sr. está fotografando minha tela, por quê?

Militar – Senhor?

Jornalista – Por que o sr. está fotografando minha tela? Quem mandou? O sr. recebeu autorização de alguém?

Militar – [Murmúrio]

Jornalista – Qual foi a ordem? Qual o seu nome?

Militar – [Vai em direção à saída da Univaja]

Jornalista – Pois não? Por que o sr. está fotografando o meu computador?

Militar – Senhor, não posso dar informação nenhuma.

Jornalista – Não pode dar entrevista. E quem pode? Quem pode dar entrevista? Quem é seu superior?

Militar – [Sai pela porta da frente da Univaja]

 

 

Depois do encerramento do evento na Univaja, a Agência Pública viu o mesmo militar entrando na van mobilizada para trazer os assessores dos parlamentares ao evento na Univaja. O veículo levou as autoridades e assessores para um helicóptero que os aguardava nos fundos da prefeitura de Atalaia. Dali, a aeronave partiu em retorno para Tabatinga.

O helicóptero e a van são parte da estrutura disponibilizada pelo governo para transportar os parlamentares, assessores e jornalistas de Brasília para o encontro na sede da Univaja, em Atalaia, e outro evento na cidade de Tabatinga sobre o mesmo tema das comissões.

A Agência Pública apurou que instantes antes de começar a fotografar, o soldado havia conversado com um oficial identificado no uniforme como “Afonso”, também presente ao evento da Univaja e que atuava como uma espécie de assessor do general Marcius. De acordo com fotos e registros na internet, trata-se do tenente-coronel Afonso Gomes de Sousa Filho, do Comando de Fronteira SOLIMÕES/8º Batalhão de Infantaria de Selva (Cmdo Fron SOLIMÕES/8º BIS).

O jornalista abordou “Afonso” e indagou se ele pediu para que o computador fosse fotografado. Ele negou. “Não, não pedi não. Não tenho nada a declarar. Não tenho nada a declarar. Não pedi nada.”

A Agência Pública presenciou “Afonso” indagando a outras pessoas sobre quem seria o jornalista da agência.

“Afonso” era o mesmo oficial que estava ao lado do general Marcius quando o comandante se recusou a dar declarações à Agência Pública, momentos antes do início das fotografias no computador. O general havia dito que não iria dar declarações.

Segundo fotografias e registros disponíveis na internet, trata-se do general de Exército Marcius Cardoso Netto, comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, vinculada ao Comando Militar da Amazônia.

A Agência Pública fez perguntas sobre o ocorrido à assessoria de comunicação do Comando do Exército, em Brasília, e assim que surgirem respostas este texto será atualizado.