Ciência é essencial para libertar mulheres, diz pesquisadora

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A valorização da natureza é importante, mas não de uma forma romântica: é preciso reconhecer o potencial da tecnologia e da ciência para dar mais autonomia e liberdade às mulheres. 

É o que diz Alyssa Battistoni, cientista política e pesquisadora associada na Universidade Harvard. Ela é uma das participantes do Festival #Agora, do coletivo #AgoraÉQueSãoElas, que será realizado neste fim de semana no CCSP (Centro Cultural São Paulo). 

Uma das formas de usar a tecnologia em favor das mulheres é na elaboração de métodos contraceptivos. Mas precisa estar aliada a políticas públicas que a amparem, ou será inócua. 

Para Battistoni, a natureza costuma ser usada como justificativa para oprimir mulheres e evitar uma mudança nos papéis e trabalhos atrelados a cada gênero. 

Diz ainda que a ascensão de governos conservadores que afrouxam políticas ambientais, como o de Donald Trump nos Estados Unidos, representa um retrocesso, mas fortalece movimentos feministas e ambientalistas. 

A cientista política Alyssa Battistoni Divulgação A cientista política Alyssa Battistoni     

Folha - Como o feminismo e o ambientalismo estão relacionados? 

Alyssa Battistoni - A forma com que a mulher e a natureza são tratadas é relacionada com frequência.

Em sociedades modernas, ocidentais e capitalistas, a natureza é tratada como recurso para humanos usarem, algo que pode ser controlado e dominado para nossos objetivos. E as mulheres têm sido tratadas como mais próximas e parte da natureza, pessoas que podem ser dominadas e tratadas de forma inferior. Já homens são vistos como parte da cultura e da sociedade. 

Então é importante pensar por que há similaridades na forma com que as mulheres e a natureza são tratadas e por que ambas são desvalorizadas na sociedade. 

Folha - O que são os conceitos de ecofeminismo e xenofeminismo?

Alyssa Battistoni - Ecofeminismo é uma vertente do feminismo que pensa sobre o lugar da ecologia e a relação entre mulher e natureza.

Xenofeminismo é mais recente. Em vez de abraçar a natureza como faz o ecofeminismo, é contra ela em alguns aspectos, por ter sido tradicionalmente usada para justificar a opressão de mulheres e de outras pessoas vistas como próximas da natureza, como indígenas e negras. 

Folha - São opostos ou complementares?

Alyssa Battistoni - Acho que discordam especialmente em torno do relacionamento com a natureza ou como a usamos, se é algo que devemos abraçar ou da qual devemos nos libertar. 

O que ecofeministas nos lembram é de que humanos não podem apenas moldar a natureza de acordo com os próprios objetivos. Ao mesmo tempo, não queremos dizer que a natureza é apenas a forma com que as coisas são, e tudo que é natural é bom. É uma posição conservadora.

Folha - Com qual dos dois conceitos mais se identifica?

Alyssa Battistoni - Me inclino na direção do xenofeminismo. Temos que pensar em como ambos podem trabalhar juntos. Como imaginar uma sociedade e uma economia que tratam o mundo com respeito mas que também reconheça o potencial da ciência, da tecnologia e do conhecimento humano não apenas para dominar a natureza.

Folha - A senhora diz que deveríamos desnaturalizar a natureza, indo além da ideia de que a ordem natural é fixa e permanente. Por quê?

Alyssa Battistoni - Quando falamos sobre a natureza, com frequência nos referimos a uma espécie de ordem natural. Significa evocar a forma com que as coisas são, um tipo de ordem social que impõe a ideia de permanência, assumindo que não pode ser alterada. 

No caso de gênero, dizem, que é da natureza das mulheres cuidar dos outros, e é assim que as coisas são.

A ideia de que a natureza é fixa e existe uma ordem imutável não é precisa. É usada para justificar relações sociais injustas. 

Folha - De que forma a tecnologia pode ser útil na emancipação das mulheres? Como os direitos reprodutivos se inserem nisso?

Alyssa Battistoni - Uma forma é por meio de controle de natalidade, que permite às mulheres e a outras pessoas controlar suas capacidades reprodutivas.

Soa mal quando dizemos que humanos só querem controlar e dominar a natureza. Mas quando a natureza é seu corpo e a natureza está tentando fazer seu corpo conceber uma criança, talvez você queira controlar a natureza. E eu certamente quero. 

Podemos ter tecnologia para dar a mulheres e outras pessoas controle sobre a reprodução, mas se não temos os direitos para fazer isso, a tecnologia não o fará sozinha. Isso é verdade nos EUA. Sabemos que temos tecnologias para controlar a reprodução, mas vemos um retrocesso no acesso a elas. 

Folha - Os movimentos estão se fortalecendo ou enfraquecendo com a ascensão de governos conservadores, alguns dos quais vêm afrouxando políticas ambientais?

Alyssa Battistoni - Eu acho que o movimento feminista e o climático estão se fortalecendo diante da administração Trump e do tipo de política conservadora que ela representa, mas não sei quanto isso vai durar.

Vimos o movimento #MeToo, o movimento Sunrise, muitos movimentos disruptivos. As pessoas estão muito irritadas com o tratamento dado a mulheres. Com como ignoramos as mudanças climáticas por tempo demais. 

O problema é que, até agora, isso não se traduziu em poder. E eu acho que há grandes retrocessos ocorrendo tanto em relação a direitos reprodutivos quanto em proteção do ambiente. 

Folha - Como o feminismo ajuda a compreender e combater as mudanças climáticas?

Alyssa Battistoni - Uma das formas de pensar sobre feminismo e ambientalismo é falar de trabalho. Há trabalhos vistos como femininos, como cuidar dos outros e fazer tarefas domésticas. Eles não são pagos ou são mal pagos, tratados como algo que mulheres fazem naturalmente e devem realizar de graça.

E eu acho que há semelhanças com a forma com que o trabalho da natureza é visto. Todos dependemos de atividades ecológicas para manter nosso planeta habitável. 

Esses tipos de atividades não são valorizados em economias modernas e sob o capitalismo. Precisamos valorizar os trabalhos de professor, jardineiro, enfermeira. Tornam a vida das pessoas melhor sem consumir grande quantidade de recursos.

O feminismo nos traz uma perspectiva importante sobre os tipos de trabalho que precisamos para tornar a vida melhor e resolver a crise climática. 

Ecofeminismo

Vertente do feminismo que vê uma conexão entre as mulheres e a natureza e critica a forma com que ambas têm sido dominadas e oprimidas. Emergiu nos anos 1970 e 1980

Xenofeminismo

Defende a dominação da natureza no sentido de produzir conhecimento e tecnologias para emancipar e libertar mulheres. Diz que a natureza tem sido usada para manter a ordem natural das coisas e justificar a opressão do sexo feminino

(Júlia Zaremba - FolhaPress)