Botafogo moderno (Ui!)
Moro numa vila onde todas as casas eram em estilo colonial. Agora, só duas preservaram essa arquitetura: a minha e a do lado. O resto foi inventando coisas pra acabar com tudo o que era antigo, o que as especificava e faziam de Botafogo um bairro lindo e estiloso. Mas isso faz tantos anos que eu já até tinha me habituado, contanto que me deixassem em paz. Agora, a barra pesou de verdade por causa de um prédio enorme que está sendo construído colado ao muro geral da vila de cinco casas. A construtora não pediu licença a nenhum dos moradores para destruir o nosso muro e começar a construção cavando buracos enormes na terra, o que causa grandes infiltrações nas casas. Tive de pagar um dinheirão à Cedae, por que eles alegaram que o problema era do meu terreno onde um cano teria estourado, cobrando-me 3.500 reais quando pago normalmente cento e poucos de água por mês.
O máximo que a Cedae fez foi parcelar para mim, a dívida que era do prédio e não minha .
Depois disso, ou durante, o barulho que começa às sete da manhã, seguido de vários gritos dos operários do primeiro andar para o último, recheado de palavrões.
A vizinha entrou numa fúria tão grande que, baseando-se num cartaz pregado na parede do edifício dizendo que só se pode fazer barulho das sete da manhã até às seis da tarde, (o que eles fazem, às vezes, até meia-noite), chamou várias vezes a polícia que sempre lhe deu razão.
Olha, não sei mais o que fazer para ficar calma: falar com advogados, engenheiros,arquitetos, etc, já que ninguém obedece a lei. Pra que, então, colocar o aviso na parede do prédio como se fossem todos muito civilizados e obedientes?
Então chegou um dia em que perdemos toda a visão do céu e do Cristo, uma dádiva de ser vista.
Estava desesperada, quando, de repente, minha amiga Helena, filha do Lúcio Costa, um dos arquitetos de maior bom gosto do país, tocou a campainha da minha porta e olhando espantada para o prédio ao lado, contei pra ela tudo o que estava acontecendo entre nós .
Foi quando lembramos, juntas, da música do Tom Jobim "As canções do amor demais, quando Ipanema era só felicidade, era assim como a flor no coração”, onde ele conta o que aconteceu com a linda casa onde morou a vida inteira, em Ipanema:
“Minha janela não passa de um quadrado,
A gente só vê Sergio Dourado, onde antes se via o
Redentor...
É, meu amigo, só resta uma certeza: é preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor...”
Acho mesmo, olhando o prédio novo, que o que o Tom quis dizer, é que ninguém mais se importa com o amor à Arquitetura, como o Lúcio Costa ou à arte, mas com a paixão pelo dinheiro, cada vez de uma forma mais voraz e aterrorizante.
