Novos e velhos atores sociais avivam a cena democrática: por quê?

Por Marcus Ianoni *

Desde 2003, o Brasil passa por mudanças importantes nas esferas econômica, social e política, que podem ser sintetizadas, respectivamente, em termos de crescimento econômico, mobilidade social e ampliação da democracia. Embora no governo Dilma o crescimento econômico tenha diminuído em relação ao ocorrido nos governos de Lula, as mudanças prosseguem. Na esfera econômica, o nível de desemprego é muito baixo, configurando praticamente o pleno emprego. A mobilidade social prossegue, havendo avanços expressivos no combate à miséria e a democracia se desenvolve com a emergência de novos atores e novas formas de mobilização e participação. Enfim, o Brasil está se desenvolvendo em uma acepção ampla do conceito.

Uma alavanca estrutural dessa ampla mudança social é a alteração da relação de forças entre as classes e frações em curso desde a vitória de Lula, em 2002. A crise das políticas neoliberais no Brasil abriu espaço para a vitória do PT e para um rearranjo, costurado pelas novas políticas governamentais pró-crescimento e distributivas, das relações entre capital produtivo e trabalho assalariado. Forças expressivas do empresariado produtivo, até então a reboque dos rentistas e financistas, foram atraídas para o projeto cujo conteúdo geral pode ser denominado de social-desenvolvimentista.

O novo modelo de desenvolvimento com inclusão social produziu efeitos e resultados expressivos, como a emergência social da nova classe trabalhadora, um aumento significativo das greves por aumentos salariais, em contexto de aquecimento do mercado de trabalho, o salto das matrículas no ensino superior, que cresceu 81% entre 2003 e 2012, passando de 3,8 para 7 milhões, o maior ritmo de crescimento das cidades pequenas e médias em relação às de grande porte, a conquista de novos direitos por negros, mulheres, empregados domésticos, camponeses, juventude etc. Enfim, além de ter havido avanços na produção, emprego e renda, as políticas sociais e de direitos deram um salto de qualidade.

A história da Idade Contemporânea, período intensamente caracterizado pela modernização (industrialização, urbanização e secularização), é rica em processos de mudança social que se fazem acompanhar pelo surgimento de novos atores na participação política. O Brasil ingressou na modernização, sobretudo, nos anos 1930. A estratégia que orientou a primeira grande onda de mudanças foi o nacional-desenvolvimentismo, que alavancou o desenvolvimento da burguesia industrial, de capital nacional e estrangeiro, e do proletariado urbano. Após lograr industrializar e urbanizar o país, o nacional-desenvolvimentismo entrou em crise na década de 1980. A alternativa liberal, dos anos 1990, não entregou ao país o que prometera em matéria de desenvolvimento, pelo contrário, fracassou, promoveu mudança social regressiva, desemprego, exclusão e precarização do mercado de trabalho. O período histórico atual caracteriza-se pelo esforço governamental, desde 2003, amparado em uma coalizão sociopolítica heterogênea, que tem em seu centro o capital produtivo e o trabalho assalariado, para coordenar um modelo de capitalismo alternativo à financeirização neoliberal, baseado na acumulação de capital produtivo, geração de emprego e renda e em políticas sociais e de direitos inclusivas. Mas há também uma expressiva oposição neoliberal à aliança social-desenvolvimentista.

O novo contexto modernizante, processado em ambiente democrático-popular, ou seja, não elitista, enseja, por meio de mediações estruturais e conjunturais específicas, a emersão da velha (tradicional) e da nova classe trabalhadora, assim como de outros atores sociais, como o Movimento Passe Livre (MPL), a juventude, os black blocs, os adolescentes dos rolezinhos, grupos das classes médias de orientação ideológica liberal, ativistas de última ou primeira hora das redes sociais etc. Uma renovada democracia de massas chega às ruas e novas tecnologias vinculam as pessoas em redes. As palavras de ordem não são mais exclusivas, como ocorreu outrora – “abaixo a ditadura”, “diretas já” ou “fora Collor” –, mas múltiplas, “passe livre” para muitos, “abaixo a corrupção” para outros, “abaixo a Copa do Mundo”, “abaixo a homofobia” e assim por diante. O caráter pluralista é bem mais acentuado que no passado, embora sem excluir pontos de unanimidade, como a rejeição ao péssimo sistema de transporte coletivo das cidades grandes e médias. Trata-se da emergência aqui de uma sociedade civil típica do mundo globalizado, multifacetada, complexa, usuária das novas tecnologias. 

No entanto, exaltam alguns anseios, seja pela afirmação de um idealizado interesse nacional coletivo, em oposição ao patrimonialismo anti-republicano, às oligarquias e aos privilégios, seja por mais participação nas decisões públicas e nas prioridades governamentais, seja por melhores serviços públicos em áreas essenciais, como mobilidade urbana, educação, saúde etc. 

Uma grande reflexão que a emergência dessa nova democracia de massas suscita é sobre a necessidade de renovação das instituições políticas, governos, parlamentos e partidos. Urge que tais instituições dialoguem com as ruas, incorporando à democracia representativa mecanismos participativos e diretos, conforme previstos na Constituição de 1988, sejam os conselhos de políticas públicas (transportes, educação, saúde, segurança etc), ou a consulta direta, facilitada pelas novas tecnologias, como a revogação popular dos mandatos dos políticos eleitos que quebrarem a confiança na qual deve se assentar a relação de representação política. Os partidos que estão se oligarquizando precisam também aprender com o clamor das massas por uma efetiva democracia.

*Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF)e pesquisador das relações entre Política e Economia.