Parem de nos matar, pelo direito à vida

As caças comercial e esportiva no Brasil são proibidas, no entanto, uma espécie de animal tem sido caçada sem piedade.Ela é bípede, pensa, fala e vota. Esse ano já foram abatidos 558. Os riscos aumentam para exemplares negros que moram em favelas. Pior se forem jovens e do sexo masculino.

Por Ivan Accioly

Parem de nos Matar

As caças comercial e esportiva no Brasil são proibidas desde a promulgação da Lei 5.197 do ano de 1967 e protege os animais silvestres, que são considerados propriedades do Estado. No Rio de Janeiro, no entanto, uma espécie de animal tem sido caçada sem piedade. Ela é bípede, pensa, fala e vota. Mas, somente nos quatro primeiros meses desse ano, já foram abatidos 558 exemplares dela (quase cinco por dia). Algumas características elevam os riscos de seus representantes entrarem para as estatísticas: basta serem negros e morarem em favelas. Pior se forem jovens e do sexo masculino.

Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam o aumento dessa prática de caça desde o início do atual governo de Wilson Witzel (PSC) e sua alardeada política de “segurança”, baseada em atirar “na cabecinha”, com direito a exibições com voos de helicóptero.

É preciso gritar alto que no Brasil os humanos, assim como os demais animais, não devem ser abatidos. Aqui não tem pena de morte e o governador não pode incentivar o crime.

Neste domingo a manifestação “Parem de nos Matar” reuniu centenas de pessoas na orla de Ipanema para defender a vida e protestar contra o massacre resultante, principalmente, de operações policiais nas favelas da cidade, mas também no asfalto. Como no caso do assassinato por membros do Exército do músico Evaldo Rosa e do catador de papel Luciano Macedo. Foram disparados 257 tiros, dos quais 83 atingiram o carro que Evaldo dirigia e onde estava sua família.

Não é possível dissociar a ação da “carta branca” para matar que as principais autoridades do país sinalizam. A política de liberação do porte e posse de armas para um contingente significativo da população é um exemplo. A defesa do chamado “excludente de ilicitude”, defendida pelo general Augusto Heleno e por Jair Bolsonaro, é outra. Assim como a alegação da “surpresa e violenta emoção”, criada por Sérgio Moro, para livrar a cara de policiais que matem.

A política de segurança de Witzel, segundo a coordenadora do Movimento Negro Unificado, Fátima Monteiro, é um "projeto de extermínio da população negra que está em curso. E hoje, mais do que nunca, ele tem avançado". Em abril o ISP registrou aumento de 23% nos números de morte por intervenção policial. Foram 124 mortes este ano. Em 2018 o mês alcançou 101.

Em discurso durante o ato de domingo Mariete da Silva, mãe da vereadora assassinada Marielle Franco, afirmou: “o governador, as mulheres e os homens brancos, queiram ou não, a pretitude vai descer toda. Vai descer pras ruas, vai descer sempre.”

Com sua política, o único dado que Witzel já conseguiu foi contabilizar as duas operações policiais com maior número de mortes desde 2013, de acordo com levantamento do UOL por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Foram no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, com oito mortos e no Fallet e Fogueteiro, em Santa Teresa, realizada em fevereiro, com 15 mortes.

Especialistas apontam ilegalidade também no uso dos helicópteros pelo próprio govenador, como se fosse um Rambo, em Angra dos Reis. Assim como na absurda utilização de atiradores de elite (snipers) para acertar alvos nas favelas do Rio.

Se não estava lotado, o encontro pode ser comemorado como o ponto inicial de ações conjuntas que reúnem moradores de favelas do Rio e movimentos sociais diversos. Afinal, o país tem que revogar urgentemente esses mandados de morte que contribuem para estatísticas como as que apontam o assassinato de um jovem negro a cada 23 minutos no Brasil.

O abate tem que parar!