Estilo Iesa: 120 anos de moda
Cento e vinte anos integram exatamente a transformação da vestimenta de privilégio elitista em fenômeno democrático. Antes da revolução industrial, que mudou drasticamente o setor de tecelagem, o povo se conformava com roupas simples, em tecidos grosseiros. No máximo, usava-se preto – não porque fosse moda, como atualmente, e sim, porque os homens tinham um terno, e as mulheres, uma saia e um casaquinho. Um de cada, em geral. Mudavam as roupas de baixo, feitas de algodão branco, com tantos detalhes de rendinhas e frufrus que cumpriam a missão de sedução inerente ao vestuário feminino.
Depois que a Inglaterra disseminou as técnicas da alfaiataria, pelo menos os homens começaram a desenvolver uma tendência aos modismos. Mudavam as gravatas, os colarinhos das camisas, o comprimento dos paletós. Para as mulheres, o começo do século passado marcou a abertura dos ateliês de alta costura parisienses. Paul Poiret deu a partida, ficou famoso por liberar as elegantes dos sacrificantes espartilhos mas perdeu o posto de estilista favorito das parisienses quando Gabrielle Chanel entrou na parada. Nos anos 20, Chanel já inspirava cortes de cabelo, joias e a simplificação nos vestidos.
Na década de 30, o movimento Art Déco motivou criações em torno das técnicas de plissados e modelagens. O lado artístico da moda logo foi trocado pelos racionamentos de matérias-primas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e pela necessidade de roupas mais funcionais usadas pelas operárias nas fábricas fornecedoras de armamentos na América.
Como a moda já era um fenômeno cultivado pelas consumidoras que sonhavam com o glamour das estrelas do cinema, logo que acabaram os combates, o lançamento do New Look por Christian Dior marcou a volta das saias com excesso de tecidos, a cintura fina e os saltos altos. Naquela época, as brasileiras ganhavam mais opções para vestir, em lojas onde havia elevadores com ascensoristas de luvas brancas, como a Sloper. Ou viam desfiles parecidos com os parisienses, na Casa Canadá, no Rio, ou na Vogue, em São Paulo.
Nos anos 60, a moda virou tema de discussões filosóficas e sociais, graças a mais uma mudança: os jovens criadores deixavam os ateliês de alta-costura e tentavam se impor como marcas de prêt-à-porter. Isto é, acabava a era do sob medida e começava a produção industrial, em tamanhos padronizados. Ao mesmo tempo, um processo tosco de marketing lançava nomes como Pierre Cardin, Yves Saint-Laurent, Paco Rabanne e André Courrèges, formando a base da cultura das grifes francesas, que renderia fortunas com a assinatura de perfumes e acessórios.
Mas a moda brasileira chamou a atenção no panorama mundial por uma conjunção de música, musas e modo de vida de um bairro: Ipanema. A bossa nova, as garotas da praia e as butiques que brotavam nas galerias da Rua Visconde de Pirajá mudaram o jeito de vestir e consumir moda no Brasil. Era jovem, barato e se encaixava no espírito hippie do momento, principalmente nos anos 70. Simon Azulay, Mauro Taubman, Antonio Bernardo, Sonia Galotta, Carlos Eduardo, Ana Gasparini formavam o grupo inovador. Ainda havia o grande evento no Golden Room do Copacabana Palace, o Moda Rio, onde 10 estilistas – entre eles, Marilia Vals, Teresa Gureg, Marco Rica, Beth Bricio, Celina Ballona, Sonia Mureb – exibiam coleções em desfiles performáticos com modelos como Betty Lago, Monique Evans, Isis de Oliveira e Veluma. Luiz de Freitas ainda fazia roupas femininas nesta fase, antes de revolucionar a moda masculina com a grife Mr. Wonderful.
A onda seguinte, nos anos 80, se divide em partes importantes: a invenção do fio elastano, a Lycra, que possibilitou o surgimento da moda praia e da fama dos biquínis brasileiros. Vieram novas marcas cariocas, ajudadas pelas parcerias com a Braspérola, tecelagem especializada em linho. Maria Bonita, Georges Henri, Andrea Saletto, Alice Tapajós, Walkyria Magnavita, Marque Deposée exploraram o linho em versões modernas de alfaiataria, inspirados nas transgressões minimalistas dos estilistas japoneses. Outra mudança, uma das mais importantes para a profissionalização do setor de moda: a inauguração dos primeiros shoppings. Eles provocaram a formação das redes de lojas, acabaram com o improviso e amadorismo das pequenas butiques de rua.
Os grandes eventos nacionais, capazes de competir com os similares internacionais, marcaram os anos 90. Eloysa Simão assumiu a tarefa de montar uma semana de moda no Rio em 1992, com um pequeno patrocínio visionário do Linifício Leslie. Dois anos mais tarde, Paulo Borges liderou a semana paulistana. Atualmente, praticamente cada estado tem seus eventos regionais.
E o século 21? No planeta inteiro, a moda se transforma. Por um lado, há a ameaça da produção mega da China, que pode acabar com as tecelagens e confecções locais. Por sua vez, a fast fashion, com poder de milhares de pontos de venda, segue cada vez mais de perto as tendências e compete com as marcas de prestígio. Quem quer uma roupa cara, exclusiva, se pode ter uma, com a mesma assinatura, por um décimo do preço?
O Brasil é o país com mais escolas de moda no mundo. Daqui, poderia sair um elemento considerado vital para a renovação da vestimenta neste século: estilista. A busca por novos criadores, que vão continuar o trabalho dos pioneiros, se compara à disputa pelos jogadores de futebol, que ainda nos times sub-20 são contratados por europeus e países árabes.
Moda no JB
O Jornal do Brasil sempre dedicou espaço às notícias de moda. Tanto que, durante as comemorações dos 100 anos de jornal, a publicação de uma série de cartões com ilustrações de moda dos primeiros anos virou objeto de desejo dos fashionistas assinantes.
Nos anos 60, a impressão era falha, em preto e branco, as fotos saíam borradas, mas as páginas com ilustrações de moda superavam todos os problemas técnicos da época. Quando a impressão melhorou, vieram os concursos de Garota JB, que revelavam belezas como Maria Cecilia Afonso Pena, as páginas centrais com ensaios patrocinados pela Rhodia, os moldes de Gil Brandão, os cadernos especiais nos eventos, como a Fenit, de São Paulo.
Léa Maria, Gilda Chataignier, Suzete Aché, Rita Moreno foram alguns nomes que assinaram textos, edições e produções.
A moda ocupava cadernos especiais e tinha páginas fixas às quartas-feiras e sábados. Com a revista Domingo, ganhou mais força graças às páginas coloridas – nos anos 80 saíam edições com mais de 250 páginas durante os eventos de moda. A equipe saía da redação rumo a Nova York (com Evandro Teixeira como fotógrafo), África do Sul (com Marcos Vianna), Milão (com Adriana Lorete) e trazia a moda brasileira fotografada em locações internacionais.
No formato digital, a prioridade é o serviço. As coberturas de grandes eventos continuam, tanto no JB Premium quanto no blog, mas os ensaios ganharam mais espaço e visibilidade, graças à alta definição digital. E as colunas enfatizam a possibilidade de botar as novidades ao alcance das consumidoras, fornecendo preços e endereços nas notícias.
