Baile de (muitas) máscaras

Conversamos com o balinês I Made Djimat, mais antigo mestre de dança Topeng em atividade, que está no Brasil para apresentação e oficina

Por Daniel Schenker

O teórico francês Antonin Artaud disse, em O teatro e seu duplo, que os trabalhos que viu em Bali revelam “uma nova utilização do gesto e da voz”. Ou seja, a palavra ali não ficava limitada ao plano psicológico, ao significado literal ou ao objetivo de transmitir conteúdos determinados, assim como as encenações  desenvolvidas  na ilha. Agora é o momento ideal para entender melhor esse processo: para  estreitar a conexão entre o Brasil e o teatro balinês (particularmente, a dança Topeng), a atriz Fabianna Mello e Souza trouxe para o país o mestre I Made Djimat. Dentro da programação do Projeto Puente do Teatro Poeira, o artista fará uma apresentação aberta, hoje, às 21h, e ministrará a oficina Das tradições seculares do Topeng ao treinamento do ator contemporâneo, que começa nesta terça-feira e se estende até o próximo dia 31.   

–  Topeng significa prensado contra o rosto – explica o balinês Djimat, de 69 anos, o mais antigo mestre de Topeng vivo, em encontro com o Jornal do Brasil, no sábado. – É uma dança com máscara, normalmente realizada por homens. Não é por acaso. A cada apresentação é preciso trabalhar com as energias de 11 máscaras diferentes. Para cada uma,  há uma partitura específica. Os movimentos são codificados. 

Os dançarinos de Topeng alteram as máscaras, mas não os figurinos.

– Temos que conhecer bem as máscaras para passar de uma para outra com rapidez – destaca I Nyoman Terima, que está acompanhando Djimat, com quem começou a dançar Topeng aos 6 anos.

Na verdade, os artistas não criam uma determinada sequência de movimentos para cada máscara. É como se as próprias peças  “pedissem” qualidades diferenciadas de movimentos, quando colocadas no rosto dos artistas.

– Há máscaras que levam a movimentos fortes; outras, suaves – confirma Nyoman.

O rosto do ator, em todo caso, não permanece relaxado por trás dos artefatos. Não há como se apoiar na expressividade deles.

– Sou contaminado pela energia da máscara ao usá-la – ressalta Djimat, integrante de uma família de destacados bailarinos, que, depois do Rio, passa por  São Paulo, Bahia e Fortaleza. – Antes de botar a máscara, olho para ela.

Fabianna Mello e Souza, que estreitou contato com o Topeng em suas viagens a Bali (a primeira, em 2005, e, a segunda, em 2011, graças a uma Bolsa Funarte de Residência Artística em Artes Cênicas, do Ministério da Cultura), também percebeu a força das máscaras, cujas expressões sugerem elos com a ancestralidade.

– Elas são tão fortes que impõem um corpo, uma voz – frisa. – Muitos diretores buscaram redimensionar o trabalho do ator através das máscaras. Ariane Mnouchkine, por exemplo.

Fabianna se refere à diretora do Theatre du Soleil, a célebre companhia internacional sediada nos arredores de Paris, da qual integrou o elenco entre 1997 e 2006 ao lado de outras atrizes brasileiras, como Juliana Carneiro da Cunha. Em seus espetáculos – alguns gerados a partir de improvisações, outros de apropriações de textos clássicos –, Mnouchkine mantém forte ligação com o Oriente.

– Ao longo dos anos, venho realizando workshops no Theatre du Soleil, no Odin Teatret e para os atores de Peter Brook – assinala Djimat, referindo-se também à companhia dirigida por Eugenio Barba e ao encenador Brook, à frente do Centro Internacional de Pesquisa Teatral.

O Topeng, cujas apresentações são sempre acompanhadas de música ao vivo, extraída do gamelão, vem ganhando difusão cada vez maior em Bali.

– Antigamente, Djimat pedia às crianças que aprendessem o Topeng – lembra Nyoman. – Hoje, são elas que pedem.

A arte do Topeng pôde ser recentemente apreciada pelo público carioca através da encenação de Instantâneos, dirigida por Fabianna Mello e Souza, que encerrou temporada, mas deverá retornar, ainda sem data prevista, ao Teatro Glaucio Gil.

– Quis trabalhar a dramaturgia das máscaras através de uma apropriação brasileira do universo de Bali – assinala Fabianna. – Criamos uma Bali imaginária.

Teatro Poeira, Rua São João Batista 104, Botafogo (2537-8053). Apresentação hoje, às 21h. Grátis. Senhas distribuídas a partir das 15h.