Anna Ramalho: Sobre marchinhas de Carnaval e falta de modos
Bela Antonia, a graça de neta que enfeita e distrai a minha vida com suas tiradas inteligentes, avisa pelo telefone: “Ô, vó! Sabia que o meu dever da escola hoje é pesquisar uma marchinha de carnaval? E sabia qual eu escolhi? Sassaricando” . Diz isso de um fôlego só e eu fico me achando a tal. Ela canta Sassaricando do início ao fim porque aprendeu comigo, que, por minha vez, aprendi com mamãe. Acho que já contei aqui que jamais ouvi minha amada e idolatrada avó emitir uma nota musical, o que dirá cantarolar o velho, na porta da Colombo, é um assombro, sassaricando...
É claro que Antonia também ouviu Sassaricando e várias outras marchinhas no excelente disco que nasceu do não menos excelente musical de Sérgio Cabral, o pai, e Rosa Maria Araújo, a irmã. Do Gilberto Braga.
Fico imaginando o que terão apresentado seus coleguinhas na Escola Parque, aquela maravilha de instituição onde a pequena estuda. Vou perguntar depois, mas desconfio que, tal como Bela Antonia, todas as crianças terão que recorrer a seus avós. Não me lembro de nenhuma marchinha que tenha surgido nos carnavais da infância do meu filho. As matinês infantis tocavam os mesmos velhos sucessos das matinês infantis dos meus tempos e dos tempos de minha mãe.
Arrematei o papo com uma sugestão para a neta: leva também a Cabeleira do Zezé. É mais recente, digamos assim.
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O Carnaval está chegando e, com ele, os abomináveis mijões. O Rio cheira a Salvador – que, mesmo quando sua folia ficava restrita ao vaivém das famílias no Campo Grande - cheirava mal. Agora, com essa coisa de trios elétricos, abadás, pipocas e que tais, a orla é um mijódromo verdadeiro, apesar de todos os banheiros químicos espalhados em todos os cantos.
Quando chega essa época, só tenho vontade de ficar em casa, quietinha, assistindo a tudo pela televisão. Pena que nem sempre dá.
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As pessoas andam muito mal educadas. É impressionante. E agressivas. Você entra num restaurante e é quase impossível conversar com seus companheiros de programa, tal a gritaria que reina. Já repararam? As pessoas falam muito alto, gesticulam, comem de boca aberta, usam o garfo para apontar o conhecido que acabou de chegar, disparam telefonemas e checam e-mails, um horror!!! Quando chega a conta, tem sempre um que dá um ataque de pelancas que constrange a todos. Falta de classe generalizada. O marido de uma amiga, mal termina o almoço para o qual fora convidado e comera direitinho, dá um jeito de afrouxar o cinto e piscar para a patroa com o olhar do “já deu, tá na hora de ir embora.”’ E lá vão os dois antes do cafezinho. Linha cachorro magro.
A falta de modos em restaurantes é de tal ordem – e tão generalizada Brasil afora – que já mereceu até corrente no Facebook.
Outra coisa de quinta são as conversas ao celular em qualquer lugar, em qualquer situação. Dia desses, juro, enquanto aguardava minha vez na fila do supermercado, ouvia a companheira de trás perguntando ao marido se as hemorróidas do dito cujo tinham parado de incomodar. É ou não é de décima categoria?
A agressividade. Uma jovem amiga minha, em sua primeira gestação, foi à ginecologista. Mulher um pouco mais velha do que a paciente. Conversa daqui, examina dali, e a médica se despede da seguinte maneira: “Não se empolgue muito não, porque já vi muita gestante de olho brilhando perder o feto antes do terceiro mês. É normal.”
O que é isso, minha gente? Como pode uma médica obstetra, uma mulher, que traz ao mundo crianças, que tem a obrigação de ser realista, claro, mas, tal como o Che, sin perder la ternura jamás, dizer uma barbaridade dessas para sua paciente que vive todos os bodes, incertezas e inseguranças de uma primeira gestação?
O House não faria melhor.
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Chega de baixaria por hoje. Vou ligar para Bela Antonia. Lembrei de mais uma marchinha, para enriquecer a pesquisa dela: “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...”
Evoé, Momo!
