"Satchmo at Symphony Hall", registro histórico de Louis Armstrong

Verve lança a íntegra do concerto de Boston, 65 anos depois, em CD duplo

Por Luiz Orlando Carneiro

O primeiro disco de jazz a gente nunca esquece. E é por isso que guardo até hoje - e de vez em quando reouço com prazer - o LP Satchmo at Symphony Hall (Decca), registro de uma apresentação dos All Stars de Louis Armstrong, na noite de 30 de novembro de 1947, na veneranda sala de concertos de Boston. O álbum original de nove faixas foi lançado em 1951, com notas de Ernest Anderson. Comprei uma cópia, alguns anos depois, quando decidi enriquecer - com jazz appelation controlée - a minha discoteca até então limitada ao gosto de um adolescente estudante e ouvinte da chamada música clássica. 

Agora, numa celebração dos 65 anos desse antológico concerto, a Verve acaba de lançar o CD duplo Satchmo at Symphony Hall/ 65th anniversary: The complete performances. São ao todo 22 faixas, sem contar os temas introdutórios e de encerramento, além das apresentações dos componentes do melhor de todos os All Stars que Louis Armstrong I e Único liderou. Eram eles Jack Teagarden (trombone), Barney Biggard (clarinete), Big Sid Catlett (bateria), Arvell Shaw (baixo) e Dick Cary (piano). Com estes mesmos músicos – mas com Peanuts Hucko no lugar de Biggard - Satchmo gravara ao vivo, seis meses antes, no Town Hall de Nova York, performances quase do mesmo nível técnico e criativo das de Boston.

Reescrevo aqui – sem que nada tenha a acrescentar – trecho do capítulo sobre Armstrong do meu livro Obras-primas do jazz (Zahar, 1986):

"Há uma tendência a se preferir as sessões de estúdio às gravações ao vivo, na avaliação da obra dos músicos de jazz. Mas quase todos os que tiveram o privilégio de assistir a Armstrong em concerto, como é o nosso caso (Rio de Janeiro, 1957), entendem que a proximidade da massa o revigorava e o entusiasmava. Os pontos culminantes da obra madura de Armstrong com seus All Stars estão em dois concertos históricos: o de 17 de maio de 1947, no Town Hall de Nova York, e o de 30 de novembro do mesmo ano, no Symphony Hall de Boston”.

“Back o'town blues, Rockin' chair e Ain't misbehavin' , do concerto do Town Hall, e Muskrat ramble, Royal Garden blues e Black and blue, do Symphony Hall, são obras-primas do jazz instrumental e vocal, gravadas num dos momentos mais saudáveis de Louis Armstrong como gente e como músico, no cume das carreiras de Jack Teagarden, dono de um dos mais generosos e calorosos trombones da história do jazz, e de Big Sid Catlett, o maior baterista do jazz clássico e precursor da bateria moderna com a sua acentuação polirrítmica e a sua inigualável arte de realçar os tempos fracos. As faixas do Town Hall e o Black and blue do Symphony Hall são obras-primas de Armstrong como vocalista”. 

Em termos puramente instrumentais, os solos e a “presença” de Satchmo em Muskrat ramble (6m10) e Royal Garden blues (4m45) já teriam feito do concerto de Boston um marco na sua discografia. Mas neste lançamento especial da Verve, 65 anos depois, podem ser ouvidos os dois sets na íntegra, tal como foram originalmente apresentados. As faixas inéditas foram restauradas de acetatos sobreviventes e rolos de fitas da coleção do falecido Gosta Hagglof, que os legara ao Louis Armstrong House Museum, no Queens, em Nova York.