Masaya sob ataque de forças do governo de Daniel Ortega

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"Chega de violência" gritam nesta quinta-feira (21) os moradores de Masaya, ao resistir à ofensiva do governo de Daniel Ortega, que pelo quarto dia consecutivo tenta retomar o controle da cidade declarada em rebeldia.

Diante dos novos ataques desta manhã, uma comitiva de bispos católicos nicaraguenses chegou à cidade, 30 km a sudeste de Manágua a fim de "evitar outro massacre".

A cidade sofreu um ataque violento de uns 500 homens - entre antimotins, milicianos e multidões, segundo o secretário da Associação Nicaraguense Pró-direitos humanos (ANPDH), Álvaro Leiva.

Centenas de milhares de homens, mulheres e crianças foram às ruas de Masaya receber a delegação de bispos.

Chorando, puseram-se de joelhos e agitaram bandeiras brancas da paz, e azuis e brancas para receber os bispos.

O cardeal Leopoldo Brenes, acompanhado do clero da Diocese de Manágua, à qual também pertence Masaya, caminhou com uma imagem de Jesus pelas estreitas ruas da cidade, que se declarou em rebeldia contra o governo do presidente Daniel Ortega.

Centenas ajudaram a levantar as barricadas das ruas para dar passagem aos religiosos, quando se dirigiam ao bairro indígena de Monimbó, foco da resistência na cidade.

Os religiosos entraram na praça da cidade em meio a gritos de "queremos paz" e "chega de violência", acompanhados do repique de sinos e cânticos religiosos.

Uma equipe da AFP em Monimbó, foco da resistência em Masaya, constatou o disparo de armas de fogo e morteiros de fabricação caseira, enquanto moradores denunciaram que as tropas governamentais incendiaram algumas casas.

O secretário da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPD), Álvaro Leiva, denunciou que há um uso da força "de maneira desproporcional" e que estão sendo usados fuzis AK 47 e Dragonov, que são armas de combate que apenas o exército pode utilizar.

"Faço um pedido ao presidente Ortega para que detenha a chacina contra o povo de Monimbó", manifestou Leiva, após considerar "incoerente falar de diálogo e assassinar o povo".

Moradores também relatam ataques à cidade turística de Granada, onde grupos antimotins usaram pás mecânicas para remover as barricadas.

"É lamentável ver como nossos irmãos morrem. Se tivéssemos armas, seriam armas contra armas, mas isso é muito desigual... Ajudem-nos contra esses assassinos que estão matando nosso povo", implorou um morador de Monimbó, que não se identificou.

Parte da população foi às ruas com facões e morteiros de fabricação caseira para se defender do ataque.

O dirigente estudantil Cristian Fajardo, do Movimento 19 de Abril, disse à AFP que foram ouvidos disparos de arma de fogo no norte da cidade, onde "cerca de 500 homens encapuzados e fortemente armados avançam".

As pessoas ficaram em suas casas enquanto a antimotins e homens encapuzados e armados saíam às ruas disparando e retirando barricadas, segundo vídeos mostrados em redes de televisão.

- "A dor é grande" -

"A dor na Nicarágua é grande, um povo desarmado está sendo massacrado. As cidades estão nas mãos de bandidos", lamentou nesta quinta-feira o arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, antes de viajar a Masaya junto com a delegação de membros do clero.

A Igreja pediu ao presidente que permita eleições gerais antecipadas em março de 2019 para aliviar a tensão. Até o momento, o governo não deu resposta à demanda por diálogo com a oposição, mediado pelos bispos.

Ex-guerrilheiro da revolução sandinista, Ortega, cujo terceiro mandato presidencial consecutivo termina em 2021, é acusado de nepotismo e de instaurar, com sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo, um governo autocrático e corrupto.

As manifestações contra o governo começaram no dia 18 de abril contra uma reforma ao sistema de previdência social, mas se estenderam para pedir justiça pelas mortes de manifestantes e a saída do poder de Ortega.

Frases como "O povo não se rende", "Fora Ortega", "Não à ditadura orteguista" podem ser lidas nas paredes de Masaya, uma das cidades mais combativas da insurreição popular que, liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), derrotou o ditador Anastasio Somoza em 1979.

Os ataques acontecem um dia depois que o governo de Ortega convidou organizações internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, a visitar a Nicarágua para verificar a situação de violência no país.

O convite era um requisito para retomar o diálogo entre o governo e a oposição, mediado pelos bispos, para buscar uma saída para a crise. Entretanto, depois dos ataques não ficou claro se os católicos voltarão a convocar o diálogo.