Rússia acusa investigação 'Panama Papers' de 'Putinfobia'

Mais de 140 políticos do mundo estão envolvidos em escândalo fiscal

Por

A revelação de milhões de documentos neste domingo (3) que acusam líderes e celebridades mundiais a um sofisticado esquema de corrupção e evasão de taxas teve mais desdobramentos nesta segunda-feira (4). O governo russo, que viu o presidente Vladimir Putin e dezenas de políticos locais serem envolvidos nos documentos, chamou o dossiê "Panama Papers" ("Papéis do Panamá") de "putinfobia".    

De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov, os autores da investigação "inventaram o que escreveram" porque o "verdadeiro objetivo" seria apenas atingir o mandatário e ofuscar as vitórias do governo Putin "na Síria e na liberação de Palmira, que ficou em silêncio nas mídias ocidentais".

>> Investigação mundial revela contas ocultas de políticos e empresários

Porém, de acordo com o jornal russo "Novaya Gazeta", o esquema de abertura de empresas offshore para ocultar patrimônios envolvem a esposa do próprio Peskov, Tatiana, o filho do ministro de Desenvolvimento Econômico, Alexey Ulyukayev, o filho do vice-ministro do Interior, Igor Zubov, além de outros parentes de parlamentares, governadores e deputados.    

Segundo o dossiê, o relatório mostrou ainda uma lavagem de dinheiro das pessoas próximas a Putin através do Rossiya Bank - alvo de sanções financeiras tanto dos Estados Unidos como da União Europeia após a anexação não reconhecida da Crimeia ao território de Moscou. A denúncia acusa o mandatário de ter ocultado "US$ 2 bilhões através de bancos e empresas fantasmas".    

Além da vertente russa, o "Panama Papers" mostrou que um dos maiores "rivais" de Putin na crise ucraniana, o atual presidente Petro Poroshenko, também está envolvido no escândalo.    

Ao todo, são 12 chefes ou ex-chefes de Estado que estão citados nos documentos, incluindo familiares do líder chinês, Xi Jinping, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, o primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Gunnlaugsson, o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz al-Saud, e o falecido pai do primeiro-ministro britânico David Cameron, Ian. Entre os políticos, há cerca de 140 envolvidos.    

Também estariam na fraude pessoas ligadas ao presidente sírio, Bashar al-Assad, ao falecido ditador Muammar Khadaffi, o ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak e o ex-secretário pessoal do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, Daniel Muñoz.    

O escândalo foi divulgado neste domingo pelo jornal alemão "Süddeutsche Zeitung" como resultado de uma investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) sobre, praticamente, os últimos 40 anos da empresa panamenha Mossack Fonseca, a quarta maior sociedade offshore do mundo.    

Ao todo, 11,5 milhões de documentos (cerca de 2,6 terabytes) foram revelados em uma investigação que contou com a participação de centenas de jornalistas de 107 empresas de comunicação de 78 países diferentes. Os documentos estão baseados em 214 mil empresas offshores que atuam no Panamá e que tiveram a intermediação da Mossack para serem abertas ou geridas.    

Em um comunicado, a empresa rebateu as acusações e disse que, em 40 anos de história, nunca foi acusada por nenhum crime.    

"As suas alegações que mostram estruturas supostamente criadas para esconder a identidade dos reais donos são completamente sem base e falsas. Nós não fornecemos serviços para enganar os bancos. É difícil, para não dizer impossível, não dar aos bancos a identidade final dos beneficiários e a origem dos recursos", destacou a empresa.    

O chefe da defesa da sociedade, Ramon Fonseca Mora, disse que as investigações são "criminosas" e um "ataque hacker" contra o Panamá "porque muitos países não aceitam o fato de sermos muito competitivos para atrair empresas".    

A empresa surgiu em 1977 e, segundo seu site, é "especializada em gestão patrimonial, fiscal, estruturas internacionais e direito internacional". A marca tem escritórios em vários países, incluindo EUA, Reino Unido e outras nações caribenhas.    

Por isso, mesmo a maior parte das divulgações terem atingido apenas o Panamá, a investigação envolve negociações nas Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas, Malta, Hong Kong, entre outros.    

Apesar das críticas, o governo panamenho afirmou que está pronto para colaborar com as investigações sobre o "Panama Papers". A Procuradoria do Panamá também anunciou que analisará o material para proceder com a abertura de processos contra as empresas que fraudaram o sistema do país.    

O presidente francês, François Hollande, elogiou o caso e prometeu a abertura de "processos e procedimentos judiciários" contra os franceses envolvidos no caso. Para Hollande, este caso é "uma boa notícia" porque o escândalo "nos permitirá aumentar as receitas fiscais.    Segundo o ICIJ, mais empresas e pessoas ligadas ao escândalos serão conhecidas em breve, já que os milhões de documentos serão divulgados aos poucos.    

Na Itália, no entanto, o jornal "L'Espresso" - que atuou na investigação, revelou que mais de 800 cidadãos do país estão envolvidos no caso, incluindo o ex-presidente da Ferrari e atual mandatário da Alitalia, Luca di Montezemolo, o ex-piloto de Fórmula 1 Jarno Trulli, o ex-senador Marcello Dell'Ultri e as instituições de crédito italianas, Unicredit e Ubi.    

"Nem Montezemolo, nem sua família possuem alguma sociedade offshore", limitaram-se a dizer pessoas próximas ao mandatário à imprensa italiana.

Brasil 

No Brasil, alguns políticos também foram ligados ao "Panama Papers". Entre eles, está o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão e o ex-deputado federal João Lyra. Os dados do escritório brasileiro da Mossack Fonseca já haviam sido alvos da operação Lava Jato, em sua 22ª fase, por causa do caso do tríplex do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Porém, o nome de Lula não foi encontrado nos registros da empresa.    

Um dos sócios da Mossack, Juan Carlos Varela, está afastado do cargo desde o dia 11 de março deste ano, justamente, para se defender das acusações da Lava Jato e de seu suposto envolvimento com a corrupção na Petrobras. Além de atuar na empresa, Varela é conselheiro da Presidência do Panamá.    

A acusação brasileira aponta que a empresa panamenha ajudou brasileiros a criarem contas de fachada para ocultar desvios da estatal e para realizar a lavagem de dinheiro.    De acordo com uma reportagem do portal "UOL", a empreiteira Odebrecht também teria "três contas secretas" gerenciadas pela Mossack.    

Futebol 

O escândalo do "Panama Papers" também atingiu o mundo do futebol. O argentino Lionel Messi, que já responde a processos na Espanha por uma suposta evasão fiscal, teve seu nome relacionado ao caso. Segundo o jornal "Sport", os representantes do atleta irão abrir um processo contra o ICIJ pela divulgação.    

De acordo com a mídia espanhola, os representantes de Messi abriram uma empresa offshore no Panamá para "blindar" os valores recebidos pelo craque na questão dos direitos de imagem.    

Outro envolvido no caso é o ex-jogador e ex-presidente da Uefa Michel Platini, que teria aberto uma offshore um ano após ser eleito presidente da entidade europeia.    

A Fifa também informou que abriu um procedimento para investigar um dos juízes responsáveis por banir o ex-presidente Joseph Blatter e Platini do futebol. Trata-se do uruguai Juan Pedro Damiani, que também estaria envolvido no "Panama Papers". O Comitê de Ética da entidade avalia o caso, segundo a agência de notícias "Associated Press". 

O que são offshores? 

Basicamente, uma empresa offshore é aquela que tem sua contabilidade ou sede fiscal em outro país que não o de sua origem. Ou seja, abrir uma empresa deste tipo não é crime e é um dos recursos mais utilizados por marcas que querem pagar menos impostos. Isso porque, geralmente, elas tiram a sede fiscal de um país com uma carga tributária alta e se submetem à legislação mais "branda" de outro. Esses países são os chamados "paraísos fiscais".    

Porém, muitas companhias usam esses "benefícios" para praticar crimes fiscais, como ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro ou para criar "empresas de fachada". Para se ter uma ideia, na Europa, abrir uma empresa tem um valor na casa de centenas de milhares de euros. Já no Panamá, segundo o portal "El País" são necessários "cerca de 200 euros" para fazer a abertura.