Reaproximação diplomática entre EUA e Cuba divide especialistas brasileiros
Dois dias após anunciarem uma reaproximação diplomática, Estados Unidos e Cuba ainda enfrentam críticas por parte da oposição norte-americana. A retomada das relações ainda não derrubou o embargo econômico ao país comunista, mas, em seu discurso, o presidente Barack Obama pediu que o congresso iniciasse um debate “sério” e “honesto” para interromper a medida anunciada em 1960.
Aqui no Brasil, a retomada das relações entre os dois países divide os especialistas. Nos últimos anos, com a chegada do PT ao governo, Brasil e Cuba fortaleceram os laços comerciais, apesar do embargo norte-americano. Hoje, somos o terceiro maior parceiro econômico da Ilha, atrás apenas da China e da Venezuela.
A relação entre Brasil e Cuba divide as opiniões dos brasileiros. A polêmica construção do Porto de Mariel recebeu um financiamento de US$ 975 milhões do BNDES e foi tocado pela brasileira Odebrecht. O Porto ocupa uma área de 400 Km² e está em uma área estratégica, onde vigora um sistema diferente do restante de Cuba.
Atualmente o Porto de Mariel é operado por uma empresa de Cingapura. O governo defende-se dizendo que as obras geraram renda e empregos no Brasil. A equipe de Dilma ressalta que 400 empresas fornecedoras de equipamentos foram beneficiadas com o investimento.
Contudo, para o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, o Brasil “não acertou e nem errou” em sua política com Cuba. Para ele, “a exportação de bens e serviços foi normal, não foi nada de extraordinário”.
Luiz Augusto também acredita que a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos “não altera muito para o Brasil”. Ele explica dizendo que as diferenças serão mais sensíveis nas relações hemisféricas, mas admite que a novidade “facilita algumas obras em Cuba, feitas com empreiteiras brasileiras”.
Para o presidente do CEBRI, “o que ficou latente foi o fato de que essas negociações já ocorrem há 18 meses, sem participação do Brasil. Quem participou desse processo, além de Cuba e dos Estados Unidos, foi o Canadá e o Vaticano”. Ele acredita também que “na medida em que passa a haver liberação do comércio, haverá mais vantagem para os americanos”.
A visão pessimista de Luiz Augusto não é compartilhada pelo professor Carlos Eduardo da Rosa Martins, à frente do Laboratório de Estudos Sobre Hegemonia e Contra Hegemonia da UFRJ. Para ele, a reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos “revela que a direção é de incluir Cuba no mercado. O Brasil tem Cuba como parceira e vem se aproximando. A decisão americana mostrou que a orientação é essa [econômica] e não precisa ser ideológica. Com essa reaproximação e uma futura queda do embargo, seguimos a direção da postura que o Brasil forma na América Latina”.
Carlos Eduardo acredita que a decisão de Obama denuncia o embargo, que tanto prejudicou a vida dos cubanos. Perguntado sobre a possibilidade do fim da medida, decretada na Guerra Fria, ele diz que esta “é uma questão complexa porque depende da aprovação do parlamento americano, que faz oposição a Obama. Envolve uma importante luta interna, mas também reflete a força da América Latina no cenário internacional”.
Para o professor, que também é membro do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais sobre a Integração América Latina e Caribe, o novo discurso americano deve afetar positivamente o Brasil. “Nós contribuímos para a construção do Porto de Mariel. O desenvolvimento de Cuba só vem a beneficiar o Brasil. Não precisamos ter medo de perdermos o posto de terceiro maior parceiro cubano. Se Cuba aumenta o comércio com os EUA, é positivo também. O Brasil só tem a se beneficiar se um país amigo nas ideologias se torna mais forte. É importante que Cuba se fortaleça e vamos aproveitar essa parceria”, explica.
Reaproximação Diplomática
Segundo a Casa Branca, os principais elementos do novo enfoque do presidente para o estabelecimento das relações diplomáticas com Cuba. A lista estabelece:
- Início imediato de discussões para o restabelecimento de relações diplomáticas, suspensas em janeiro de 1961.
- Restabelecimento de uma embaixada em Havana e de intercâmbios e visitas de alto nível entre os dois governos.
- Fomentar trabalho em conjunto em áreas de "interesse mútuo", como migração, combate ao tráfico de drogas, proteção ambiental e tráfico de pessoas entre outros.
- Incrementar o contato entre as populações e melhorar o livre fluxo de informação "para, desde e entre a população cubana".
- Facilitar a expansão das viagens com emissão de licenças para pessoas autorizadas.
- Estabelecer intercâmbios que permitam que americanos ofereçam treinamento empresarial a empresas privadas cubanas e pequenos agricultores.
- Facilitar o envio de remessas dos EUA para Cuba; o montante máximo que pode ser enviado por trimestre subirá de US$ 500 para US$ 2.000 - e não será mais necessária uma licença especial para o envio de remessas para fundos dedicados ao desenvolvimento de iniciativa privada em Cuba.
- Ampliação nas licenças comerciais para vendas e exportação de certos produtos e serviços dos Estados Unidos, como material de construção e equipamento agrícola para pequenos agricultores.
- Autorização para que cidadãos americanos importem produtos de Cuba, como derivados de fumo e bebidas alcoólicas, até o valor limite de US$ 400.
- Facilitar as transações autorizadas entre EUA e Cuba, como o processamento de transações financeiras e o uso de cartões de crédito para viajantes em Cuba.
- Dar início a esforços para facilitar acesso dos cubanos a meios de comunicação como internet, tanto dentro de Cuba como de Cuba para os EUA e resto do mundo; para isso, será permitida a exportação comercial de certos dispositivos de comunicação, software, aplicações e hardware.
- Revisar a forma como se aplicam sanções contra Cuba a países terceiros; outorgar licenças para que possam ser oferecidos serviços e transações financeiras a indivíduos cubanos em outros países e permitir que embarcações estrangeiras entrem nos EUA depois de cooperar com determinados tipos de intercâmbio humanitário em Cuba.
- Iniciar uma revisão da designação dada a Cuba, em 1982, de "Estado patrocinador de terrorismo"; uma revisão "imediata" será entregue a Obama em seis meses.
- Participação de Obama na Cúpula das Américas no Panamá em 2015, em que direitos humanos e democracia serão assuntos-chave e onde será permitida a participação da sociedade civil cubana - assim como a de outros países.
- Um compromisso maior dos EUA por uma melhora nas condições de direitos humanos e reformas democráticas em Cuba.
Discurso Americano
O anúncio da medida foi feito por Barack Obama em seu discurso, na Casa Branca. ""Esses 50 anos mostraram que o isolamento não funcionou, é tempo de outra atitude, é hora de uma nova abordagem. Estou ansioso para engajar o Congresso em um debate sério e honesto (sobre o fim do embargo). Um comércio intensificado é bom para os americanos e para os cubanos”, disse. Obama também falou que “através dessas mudanças, queremos criar mais oportunidades para americanos e cubanos e começar um novo capítulo nas Américas".
Obama disse ainda que pretende “criar um novo capítulo nas relações entre os países". E encorajou os americanos: “Os cubanos têm um ditado: 'No és facil', ou 'não é fácil', mas hoje os Estados Unidos querem ser um parceiro no sentido de tornar a vida dos cubanos comuns um pouco mais fácil, mais livre, mais próspera. Todos somos americanos".
Discurso Cubano
Enquanto Obama discursava na Casa Branca, Raúl Castro também anunciava o nosso passo para os cubanos, em Havana. “Os progressos alcançados demonstram que é possível encontrar solução para muitos problemas. Devemos aprender a arte de conviver de forma civilizada com nossas diferenças”, disse. Raúl, contudo, fez um alerta: “isso não quer dizer que o principal foi resolvido. O bloqueio econômico, comercial e financeiro que provoca enormes danos humanos e econômicos tem que acabar".
Liberação de presos políticos
Junto ao anúncio da reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos, foram liberados presos políticos de ambos os países, acusados de espionagem. Cuba, soltou Alan Gross, de 65 anos, preso na Ilha em 2009. Na época, o país alegou que Gross praticou “ações contra a integridade territorial do Estado". O governo cubano também deu liberdade a um agente do serviço de inteligência norte-americano, que ficou preso por 20 anos.
Já os Estados Unidos libertaram Gerardo Hernandez, Antonio Guerrero e Ramon Labañino. Os três agentes de inteligência em Cuba estavam presos desde 1998. Rene Gonzalez e Fernando.
* Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil
