“Science”: Para acadêmicos venezuelanos, falar é arriscado

Governo acusa médico que revelou surto de doença no país de promover "terrorismo psicológico". 

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A revista científica Science, publicou na edição de outubro um artigo onde trata das dificuldades enfrentadas por médicos e cientistas para levar adiante pesquisas e revelar os resultados na Venezuela. "Quando Ángel Sarmiento descobriu que oito pacientes haviam morrido vítimas de uma febre não identificada na capital do estado de Aragua, na Venezuela, ele fez o que deveria fazer: soou o alarme. Numa coletiva de imprensa no dia 11 de setembro, o presidente do Colégio de Médicos de Aragua declarou: “Nós não sabemos o que estamos enfrentando”. 

Mas em vez de dar atenção à declaração, o presidente venezuelano Nicolás Maduro acusou o médico de fomentar um "terrorismo psicológico". Sarmiento deixou o país alguns dias depois. O episódio continua a reverberar na Venezuela, onde intelectuais consideram o fato um sinal de desdém do governo central pela ciência e a comunidade médica. Sarmiento foi o segundo acadêmico a se destacar por ser punido por Maduro em setembro. Muitos outros pesquisadores se sentem cercados: até mesmo experimentos não controversos são sujeito a regras bizantinas que não permitem aos cientistas de seguir novas linhas de investigação, e erros burocráticos podem trazer punições duras", diz a matéria de Lizzie Wade.

“O que eles querem é nos silenciar”, disse Feder Álvarez, que é pediatra e secretário do Colégio de Médicos de Aragua. Cientistas também se sentem sitiados. Objetividade e pensamento crítico, valores-chave da ciência, estão muito em conflito com os ventos prevalecentes na Venezuela, diz Ricardo Hausmann, um economista venezuelano que dá aula na Universidade de Harvard. No mês passado, Hausmann se viu acusado por Maduro, mais uma vez em rede nacional, de conspirar contra o governo depois de publicar o editorial “A Venezuela deve dar calote?” sobre as dificuldades na economia do país sulamericano. O economista diz estar preocupado que se voltasse à Venezuela enfrentaria meses ou anos de prisão mesmo antes de se submeter a um tribunal.

Dentro do país, os cientistas devem seguir regras rígidas. O governo central quer “controle sobre cada passo” de um experimento, diz um biólogo molecular de uma universidade que pediu para não ser identificado. Para o trabalho de campo, as áreas de coleta devem ser estritamente especificadas com antecedência. Para experimentos de qualquer tipo, pesquisadores devem preencher relatórios a cada seis meses descrevendo o progresso que fizeram para atingir metas pré-estabelecidas, com pouca flexibilidade para seguir novas linhas de investigação, lamenta o biólogo.

Sempre que cientistas querem sequenciar DNA não humano, eles devem solicitar permissão ao ministro do Meio Ambiente do país na forma de contrato para ter acesso a recursos genéticos. O governo alega que os requerimentos protegem a biodiversidade e o conhecimento indígena da exploração capitalista. “ De onze contratos que solicitei, eles me concederam dois”, diz o biólogo. Como filogenética e outros estudos evolucionários requerem sequenciamento de vários organismos relativos, esses estudos são um pouco mais do que sonhos impossíveis para cientistas na Venezuela. 

No mês passado, três médicos filiados à Universidade Central da Venezuela anunciaram que a febre não identificada é a chuikungunya, uma doença transmitida por um mosquito que está se espalhando nas Américas. “Não há mistério aqui”, diz Gustavo Villasmil, ministro da saúde do estado de Miranda. Ele diz que semanas atrás um laboratório independente confirmou que cinco dos oito pacientes que sucumbiram à doença, tiveram teste positivo para chuikungunya. Como a doença tem uma taxa de mortalidade de um para 1000, essas mortes são muito provavelmente a “ponta de um iceberg” de um surto generalizado na Venezuela, diz Julio Castro, ministro da saúde do município de Sucre para a revista Science.