Força curda acusa Turquia de atacar mesmo após cessar-fogo
As Forças Democráticas da Síria, reunião de milícias liderada pelos curdos, acusaram nesta sexta-feira (18) a Turquia de bombardear áreas civis na cidade de Ras al Ain, violando assim o cessar-fogo de cinco dias acertado com os EUA.
"Apesar do acordo para interromper os combates [no nordeste da Síria], os ataques aéreos e de artilharia continuam a atingir posições de combatentes e assentamentos civis", escreveu Mustafa Bali, porta-voz do grupo, em uma rede social.
Bali ainda afirmou que as ações turcas na noite de quinta (17) causaram mortes, mas não deu mais detalhes. De acordo com a agência de notícias Reuters, sons de disparos de metralhadoras e de bombardeios foram ouvidos nesta sexta na fronteira dos países, ainda que tenham diminuído ao fim da manhã.
O pacto acertado na quinta entre Ancara e Washington prevê que os curdos deixem uma "zona de segurança", cuja área os EUA consideram ser apenas parte do território que a Turquia quer tomar.
Já o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, negou que novos confrontos estejam ocorrendo e afirmou que a "zona de segurança" se estende por 440 km ao longo da fronteira com a Síria.
Para os curdos, no entanto, a área se limita a uma pequena faixa entre Ras al Ain e Tal Abyad, cidades fronteiriças que foram palco da maior parte dos combates e que estão a apenas 120 km de distância.
Donald Tusk, presidente do Conselho da União Europeia (o braço executivo do bloco), condenou o trato de Erdogan com o governo americano. Ele afirmou que a interrupção das hostilidades turcas não é um cessar-fogo genuíno e pediu a Ancara que pare imediatamente as operações militares na Síria.
Em Bruxelas, onde ocorre a cúpula da UE, Tusk disse que o cessar-fogo é, na verdade, "uma exigência de rendição aos curdos" e voltou a apelar à Turquia que respeite a lei humanitária internacional.
Na mesma linha, o presidente da França, Emmanuel Macron, classificou a ofensiva turca como "loucura" e criticou a incapacidade da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de reagir ao ataque -tanto EUA quanto Turquia fazem parte do órgão.
Macron afirmou que ele teria recebido a notícia de que os EUA decidiram se retirar do nordeste da Síria pelo Twitter e que o movimento, junto com a ofensiva unilateral de Ancara, fazia da Europa um aliado menor no Oriente Médio.
Macron acrescentou que ele, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e a chanceler alemã, Angela Merkel, se encontrarão com Erdogan nas próximas semanas, provavelmente em Londres.
As ofensivas turcas começaram depois que Trump anunciou a retirada de suas forças militares no nordeste da Síria. Como eles apoiavam os curdos no combate à facção terrorista Estado Islâmico (EI) naquela região, a decisão foi encarada como uma traição.
Na prática, o movimento americano autorizou a ofensiva dos turcos, que querem acomodar até 2 milhões de refugiados sírios que vivem atualmente na Turquia e afastar a milícia curda YPG, considerada um grupo terrorista por Ancara.
Na sequência dos primeiros ataques, o presidente americano recuou e disse que não estava abandonando os antigos aliados, que "são pessoas especiais e lutadores maravilhosos".
Em nota, declarou que o ataque tinha sido "uma má ideia" e que não tinha apoio dos EUA. Depois, em declarações contraditórias, disse que os curdos não eram anjos e que o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) é "provavelmente uma ameaça maior, em muitos aspectos, do que o EI".
Os oito dias de incursão turca na Síria levaram à morte de 72 civis, 224 soldados das Forças Democráticas Sírias e 183 homens apoiados pela Turquia, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos.
Com a saída das forças militares norte-americanas da região, é provável que a extensão das ambições da Turquia seja determinada pela Rússia e pelo Irã, preenchendo o vácuo criado pela decisão americana.
O regime do ditador Bashar al-Assad, apoiado por Moscou e Teerã, já tomou posições no território antes protegido por Washington. No dia 22, Erdogan irá a Moscou para se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin.
Em Washington, senadores dos EUA que criticaram o governo Trump por não impedir o ataque turco disseram que vão trabalhar para impor sanções contra a Ancara.
A ofensiva criou uma nova crise humanitária na Síria, com a fuga de 200 mil civis -de acordo com estimativas da Cruz Vermelha-, um alerta de segurança devido a milhares de combatentes do Estado Islâmico potencialmente abandonados nas prisões curdas e um imbróglio político nos EUA contra Trump.
Uma autoridade turca disse à Reuters que Ancara conseguiu "exatamente o que queria" nas negociações com os Estados Unidos.
(FolhaPress)